21/08/2017

Guerra às Baitacas em Campo Mourão

Baitacas também chamadas de Maritacas
ainda sobrevoam Campo Mourão


Para se ter uma ideia da grande quantidade da passarada e da rica fauna, no princípio de Campo Mourão, o vereador da primeira legislatura mourãoense, que também era Juiz de Paz e morava (longe) pelas bandas da atual Vila Guarujá, Porfirio Quirino Pereira, na sessão extraordinária do dia 6 de dezembro de 1947, propôs ao plenário do Poder Legislativo a aprovação de uma Lei de Proteção à Lavoura, com incentivo monetário ao extermínio de baitacas e maracanãs, mediante o pagamento de um cruzeiro por cabeça, aos que apresentarem (as aves mortas) na Prefeitura. Também propôs a multa de dois cruzeiros por cabeça, aos que deixarem de fazê-lo, ou seja, aplicação da pena pecuniária aos lavradores, donos de roças, que não matassem as "danosas" baitacas e maracanãs que, pela manhã e à tarde, faziam suas revoadas em enormes bandos, que pareciam nuvens, em altas algazarras sob os céus de Campo Mourão, no sentido oeste/leste pela manhã, e sentido inverso no final da tarde. As aves nativas se deliciavam nas roças de grãos de alguns 'enfezados' pioneiros mourãoenses.

Guarda-chuva - Lembro bem do seu Porfírio, sempre de terno escuro, camisa social branca abotoada até o pescoço e, também, nos punhos de mangas longas (sem gravata), sapatos pretos meio amarronzados pela poeira, de chapéu preto social de abas meio caídas dos lados, e com seu inseparável guarda-chuva preto debaixo do braço esquerdo, mesmo com sol, e nas suas longas idas e vindas, sempre a pé, do sítio ao centro e vice-versa.


Casamentos atrasados - Certa feita, num sábado pela manhã, dia de casamento na igreja velha de São José e no salão anexo ao cartório do antigo Fórum, três casais de noivos, padrinhos e alguns familiares aguardavam, ansiosos, a chegada do doutor juiz de paz que normalmente já estava a postos desde às 8hs da manhã. Nesse dia já passava das 9h e nada do senhor juiz casamenteiro. 

Cadê o Juiz - Isso foi no início de 1953, estava eu com 13 anos, meu pai (Ville Bathke - escrivão do registro civil) me chamou e mandou-me ir, rápido, chamar seu Porfírio a uns dois quilômetros do centro, pela estrada de Roncador. Um dos presentes me emprestou um cavalo aperado  e lá me fui no galope. Seu Porfírio, sempre bem vestido, sem chapéu, estava sentado num banco na soleira da sua casa. Dei o recado. Ele respondeu que não foi avisado e nem sabia dos 'proclamas' (anúncios 15 dias antes dos casamentos) e muito menos que o doutor Ilian de Castro Velozo (1º juiz titular de Campo Mourão) estava de férias.

A pé mesmo - Eu o convidei pra montar na garupa, mas ele agradeceu. Mandou eu voltar e avisar que ele já estava indo, mas a pé. Eram mais de 11h quando ele chegou, de chapéu na cabeça, trajado de preto e o inseparável guarda-chuva debaixo do braço, com largas passadas de 'ganso'.

Atacado - Mau humorado e carrancudo, adentrou à sala do cartório e foi ao salão do Fórum. 
Não cumprimentou ninguém e nem tirou o chapéu. Encostou o guarda chuva, em pé, num canto. Mandou reunir todos casais e fez uma única cerimônia - o que não era normal casamento coletivo - e sem acrescentar mais nada, assinou os termos, pegou o guarda-chuva, deu meia volta e desceu pela avenida Irmãos Pereira afora, no rumo de Roncador (BR-158). 
Ele ganhava um 'x' em cruzeiros, por casamento realizado. Mas neste dito sábado, contrariado e atrapalhado, nem fez questão de receber seus trocados.

 
 Porfírio Quirino Pereira

Nasceu em 1879. Casou com Felicidade Maria da Conceição e tiveram três filhos. Com a família, deixou Guarapuava – PR e fixou residência na região da Vila Guarujá, à margem esquerda da estrada Campo Mourão/Roncador (BR-158), dia 22 de junho de 1936, com 57 anos de idade.
Na comarca guarapuavana foi Delegado de Polícia por 12 anos e, em Campo Mourão, foi nomeado Juiz de Paz Distrital pelo Município de Pitanga – PR, cargo que exerceu por cerca de 10 anos, até a instalação do município e da comarca mourãoense.

Em 1947 foi um dos integrantes do movimento pró-desmembramento de Campo Mourão e entrou na luta, com êxito, pela elevação à categoria de município, desmembrado de Pitanga. 

Crente - Por acreditar ser um cidadão vitorioso em tudo que fazia e participava, concorreu e foi eleito ao cargo de vereador pelo Partido Social Democrático (PSD) e, dia 2 de janeiro de 1948, assumiu solenemente sua função, na época, não remunerada. Era o que denominamos hoje: 'pé quente'.

Participou ativamente dos trabalhos da primeira legislatura mourãoense e, na Casa de Leis, foi membro da Comissão de Legislação, Justiça, Higiene, Assistência Social, Educação e Cultura, presidida por Devete de Paula Xavier, tendo  como par o edil Joaquim Teodoro de Oliveira, na dita comissão.

Morte às baitacas - é de sua autoria a proposição parlamentar - na primeira legislatura mourãoense - que estabeleceu a recompensa de Cr$ 1,00 (hum cruzeiro) por baitaca ou maracanã morta e multa de Cr$ 2,00 (dois cruzeiros) pelas não mortas. A medida foi estabelecida pelo fato destas aves - parentes do papagaio - atacarem, com apetite voraz, as roças de arroz e, principalmente, as de milho, em grandes bandos e algazarras. Pelo que nos consta, esta lei não vigorou. Ou seja, ninguém reclamou o prêmio e e nem foi multado entre 1948 e 1952.

Falecimento - O pioneiro sessentão, que também foi Juiz de Paz em Campo Mourão, sempre servil, bem vestido e incansável nas suas longas caminhadas – conhecido como ‘o homem do guarda-chuva’ – faleceu dia 22 de outubro de 1970, aos 91 anos de idade e está sepultado em Campo Mourão. 
                     

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