“Quando resolvemos seguir de Ortigueira (PR) até o Campo, compramos carroça, parelha de cavalos, arreios e tolda, mas o Antonio
não sabia dirigir. Lotamos de mantimentos, tralhas de casa, roupas e tudo o
mais que precisávamos a fim de começar vida nova num lugar do qual todos
falavam muito bem. Mas até chegar no desconhecido Campo da nossa esperança, passamos alguns apuros e escapamos
da morte mais de uma vez".
Serra da Esperança e Morro do Chapéu
"Quando cruzamos a Serra da Esperança, nas subidas, pelas
beiradas dos precipícios, o Antonio ia na boléia e eu atrás, a pé, ajudava empurrar
e quando a carroça ameaçava de voltar de ré eu calçava as rodas com tocos de
pau e ele apertava o freio. Eu olhava lá pra baixo e via carroças quebradas e
esqueletos branquinhos de animais que caíram serra abaixo. Mas a gente não tinha medo e
seguimos os traçados meio batidos.
Bem mais adiante, no terceiro dia, atravessamos um rio que
chamamos de Ribeirão, mas a passagem era por dentro da água, sobre a laje,
não tinha ponte. Justo nesses dias estava cheio por causa das chuvas caídas além da
conta. Conforme os dois cavalos puxavam, a carroça ia nos trancos e rabeava, com
água quase pela metade, que batia na barriga dos animais. Quase
no meio da travessia – o rio era larguinho – o cavalo da direita escorregou,
caiu de prancha e começou a se debater e se afogar, enroscado no arreame.
O Antonio pulou na
água e com um canivete aberto conseguiu cortar os tirantes de couro do cabeçalho e ajudou o
cavalo a se aprumar.
A carroça ficou inclinada, quase coberta pela água, e muita coisa que
estava dentro, boiou e rodou correnteza abaixo. Tivemos que esperar o cavalo se
recuperar. O Antonio trocou os tirantes (tinha de reserva) e com muita
dificuldade, mas sem medo e com muito cuidado, saímos do outro lado do Ribeirão. Escorria água por tudo.
Escuta essa agora: depois o Antonio, que conduzia mal uma carroça, me contou que também não sabia nadar, mas encarou aquele rio bravo pra acudir o cavalo. Nossa, que sufoco! suspirou.
Armei a tenda (barraca) de algodãozinho encerado, bem
esticadinha, que podia chover, não passava água de jeito nenhum. Joguei dois
pelegos abertos na grama, dentro da barraca, acendi um fogo meio alto pra fazer café, armei a trempe a
fim de preparar comida e, por cima dos arbustos, estendi o que podia de panos,
cobertas, roupas e separamos os mantimentos que sobraram, no sol, pra secar. Ficamos ali por três noites e dias até secar o que deu.
Na trempe eu pendurava um panelão de ferro, punha água e misturava tudo dentro dele, principalmente feijão, arroz e charque e tacava
fogo debaixo até ficar cheiroso e no ponto. Era a tal menestra! explicou.
Nesses dias que tivemos que acampar na marra, vários cavaleiros
passaram por ali e nos pediam comida ou um café. A gente dava, barganhava algumas coisas e, enquanto comia, falava dos conhecimentos sobre a viagem, caminhos, estradas a seguir e
sobre Campo do Mourão - como era ou seria?! Um ajudava o outro, entende?
A noite era um breu. A gente ouvia urros das onças pelas
redondezas e barulho dos mergulhos das enormes antas nas beiras do Ribeirão.
Deslizavam pelos carreiros, nas margens do rio, e caiam pesadas na água. Faziam um baita tropel.
Quando o sol nascia a gente via e ouvia muitos passarinhos que
voavam e cantavam. Tinha papagaio, periquito, araras azul e vermelha, até
macacos que faziam maior griteiro.
A mata era fechadinha de pinheiros e árvores enormes.
Existia muita fruta nativa pelas beiras dos caminhos. A gente catava e comia: amora, gabiroba, araçá, pitanga, ariticum e mais outras. Da carne de anta e
capivara se fazia paçoca misturada com farinha de milho, socada no pilão, que se guardava
e comia com café. Até hoje eu faço, mas com carne de boi.
O meu marido e seu
Antoninho (Antonio Teodoro de Oliveira) que também foi prefeito, esposo da Zuleika, gostavam de canja de
galinha velha, daquela que deixa gordura grossa e amarelada por cima, e eu
fazia pra eles. Eram amigos desde que chegamos e ficamos na casa deles, na
cidade. Ele que nos vendeu essa chácara. O lugar, daqui do Rio do Campo até o
Rio da Várzea, a gente conhecia por Campina dos Teodoro, hoje é Barreiro das
Frutas. Era tudo deles.
Só pra você ter ideia, demoramos duas semanas de Ortigueira até aqui no Campo. Os cavalos chegaram estropiados e nós cansados por demais. Nos
instalamos na casa do seu Antoninho. Meu marido começou ter clientela e eu
ajuda a Zuleika na casa, que estava sempre cheia de ‘compadres’ e ‘comadres’. Até fazer partos a gente fazia, junto com ela e dona Anita Albuquerque, que
conheci depois, uma pessoa muito querida e prestativa.
Campo Mourão vista da casa de Dona Santa
Hoje Campo Mourão está muito bonita e eu adoro morar e
viver aqui. Só tenho amizades lindas. Graças a Deus tenho muita paz e saúde, aqui no meu cantinho, rodeado de gabirobeiras, de onde avistamos a cidade, em companhia do meu filho”
agradeceu Dona Santa - Justilina Cardoso dos Santos - a primeira primeira-dama de Campo Mourão.
Lamentavelmente, Dona Santa faleceu na manhã da quarta-feira de 2 de dezembro de 2009, vítima de ataque feroz do seu cão pitbul, na chácara onde morava. Morreu na Santa Casa e está sepultada no Cemitério Municipal São Judas Tadeu, de Campo Mourão - PR
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