26/06/2015

* Lendas e Mitos de Campo Mourão - A Loira - 07



A Loira do Cemitério


Hoje, seu Juca, começou tímido, sua fala. "Têm uns acontecidos comigo que não costumo contar de noite porque me arrepia tudo... 
Vosmecês conhecem ali, as bandas do Guarani, adiante de Mamborê, Canjarana, Juranda, Catatumba... ?

Pois por aquele começo sem fim de mundo morou bastante alemão, até médico que fugiu da guerra e se aninhou pelos quatro cantos da região de muitos pinheiros. 
Tinha um tal de Dr. Fritz, que cortava os doente sem anestesia e a mulher que ele tratava de parto, quase todas ganhavam de dois nenê em cada aparada. Era uma técnica que ele aprendeu fazer nas prisioneiras, lá nos campos de concentração, durante batalha dos germanos contra o Mundo a fim de aumentar a população pra guerra, mais de depressa.

Por causa da parada desses branquelos do olho azul por aqui, nasceu moços e moças loiras, mais tão loiras de doer as vistas. Falavam enrolado, mas eram bem bonitas.

Nas beiradas de estrada despovoada se via muita cruz de pau nos lugar que morria gente matada, atocaiada ou de doença mesmo. Tinha também uns cemitérios bem ruinzinhos, de poucas covas abandonadas, algumas cavoucadas pelos tatus papa-defunto, reviradas pelos bichos que come carniça, e tinha muito osso de gente morta, esparramados.

Só morria gente a cada ano... ou dois, não mais, e enterravam ali, de qualquer jeito. O que não faltava era cruz e ossada espalhada. Todo buraco tem uma lá, pra quem quiser ver. É feio demais!

-A prosa do nhô Juca, hoje, tá meio surumbática, boquejou compadre Arlindo.
-Não vejo nada de mais morrer gente e enterrar, comentou seu Amadeus, carrancudo.
E carregar defunto nas costas, na garupa do cavalo, cês já viram ?! perguntou, rindo, nhô Juca.

-Conta essa compadre Juca, pediu nhô Pedro, curioso.
-Alguma vez já arrepiou os cabelos da nuca e o talo do espinhaço do cês? 

-Então... Eu fazia direto esse trecho do Campo Mourão pra lá, e do Guarani pra cá, nos tempos que fui safrista de porco. Comprei de carroçada por lá e vendia tudo depois de gordo, na Pitanga, onde havia comprador de matadouro de Ponta Grossa. 
Olhem só as voltas que a porcada dava até a gente ganhar uns trocos com a venda dela. Nós levava a pé e tocados, daqui até lá por uns 10, 15 dias, com tempo seco. Se chovia ficava preso nas enchentes. Aí era por conta de Deus! Sempre chove pesado por aqui e a porcada perdia peso!

-Mas, esse dia, que quero me referir, já era tarde e anoiteceu rapidão. O céu escuro avisou que ia chover muito. Estava pesado e as faíscas rajavam lá no alto. Parecia noite de São João!
Era mês de novembro. Estava calor com chuva, e lá ia eu no meu cavalo preto, manga-larga marchador, de passo ligeiro e forte, no prumo do Guarani. 
Na metade da estradinha, perto de Catatumba, onde falam que enterraram o Índio Bandeira (que virou boitatá), uma alemoa bem loira, muito da branquinha, que chegava alumiar no escuro, deu com a mão e eu parei de chofre. Se fosse auto tinha cantado os pneu!
Perguntei: - que quê foi?  -gaguejei diante da belezura.
Ela disse que precisava chegar no Guarani antes da meia-noite, que tinha parentes que moravam lá e perguntou se eu dava uma garupa pra ela. Falou que já sabia que eu ia naquele rumo: "comprar porcos, né seu Juca? - E eu o estava esperando".
-Não respondi nada. Nem me toquei na prosa dela... estava admirado com sua beleza e brancura, jovem e robusta, que nem perguntei detalhes dos porquês e nem ela explicou os motivos dos senões. 
Era noite pra tempestade que se formava... o ar tava quente e a terra mormacenta mandava aquele bafo pra cima, na cara da gente.

Mas quando ela me deu a mão e pisou no estribo pra se ajeitar na garupa do meu cavalo, eu senti uma friagem esquisita. Ela montou, se ajeitou de perna aberta, meio me agarrou pela cintura, colou o peito nas minhas costas e lá se fomos. Quietos, nós dois. Eu estava sentindo umas coisas que não havia muito tempo, de quando se está perto de uma moça bonita e ajeitada.
-Escuta senhorita. Onde vai parar, tem pouso pra mais um?.. Falei mau intencionado.
-Tem pra mais de um, pra muitos, e é de graça seu Juca!
-Chegando lá a gente combina, então?!
-Tá bão seu Juca, mas já é meu convidado, tá?!
-Eiitaa... é hoje !! só pensei, não falei.
Também não dei muita rédea pro cavalo, fui devagarote. Puxei mais uns dedos de prosa atoa e naquele arzão quente e abafado eu comecei sentir frio, muito frio, principalmente nas costelas e no cangote.
- Rapazzz. Aí que a porca torceu o rabo... 

Quando percebi  já estava no encruzo do Guarani, perto do cemitério abandonado, quando ela desagarrou de eu e falou:

-Pare... aqui está bom... vou apear... chegamos!
Olhei pra lá, pra cá, acolá, vi nada... casa nem rancho de vela nem alumiado de lampião... nenhum.
-"Mas moça, vai esperar alguém aqui nesse escurão isolado?"
-"Não moço, eu moro ali"... e apontou pro cemitério. 
Apeou, foi andando e reluzindo igual vaga-lume, sem perder a pose, e sumiu no meio das cruzes!

-Rapaziada do céu... me bateu uma tremedeira que quase quebrou meus dentes e me matou de medo. Fiquei teso. Não sei como me mandei dali, mas o cavalo virou um foguete comigo em riba! Dei toda rédea pra ele. Larguei !!

--Podem crer. Até hoje ainda sinto aquele corpinho gelado grudado nas minhas costas. O cabelo arrepia que chega derruba o chapéu da cabeça! Nunca mais passei por ali. Cortava volta!

Deu uma olhada de esgueio na roda de compadres e viu eles de olhos arregalados e uns de boca aberta, babando. Ninguém falou nada.
-Será que ficaram com medo ?! pensei.

Beirava meia-noite. Nhô Juca disfarçou, saiu do rancho, mas logo voltou com uma braçada de lenha e atiçou o fogo. Estava bem noite virando pra madrugada. Se despediram meio assim, assim... fico não fico... vou não vou... vai que a Loira aparece?!

-Hey, cada um pro seu rancho, já moçada. Vou rezar pra alma da loira e dormir pensando nela... O chimarrão fica pra amanhã!

- Témanhã!! Vão com Deus !!

.
 
Essa Loira já andou pelos banheiros do Colégio Estadual de Campo Mourão onde aparecia tanto de dia quanto de noite, com olhos faiscantes, a clamar um copo d'água. Talvez seja a mesma que entre 23 e 24 hs era vista no final da Av Índio Bandeira, saída para Maringá, na entrada da Av. Ney Braga, que pedia carona e desembarcava em frente ao Cemitério São Judas Tadeu e, ao descer do carro, dizia: Obrigada, moro ali !! -E apontava o campo santo, em direção do qual seguia calmamente e desaparecia num clarão, ao atravessar o portão da cidade dos mortos.


Olhe fixo, aí ela se mexe

NA: Esta história nos foi contada pelo Velho Walter, morador em Guarani, 
coveiro do tal cemitério. Sua casa pequena e tosca, era dentro.



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