05/07/2011

Delaimèe a Menina de Campo Mourão




 
Amigas de Campo Mourão em Curitiba


Delaimèe Pereira Alves nasceu em Curitiba, dia 9 de agosto de 1934, e tem uma irmã, Daysi, um ano mais nova. São filhas de Aimèe e Delbos Alves. Ele foi o primeiro médico do Estado e ela a primeira professora normalista em Campo Mourão, revela Delaimèe. "Meu nome - não sei se reparou - é a mistura de Delbos e Aimèe, Del + Aimèe".
Delbos e Aimèe casaram dia 14 de Outubro de 1933 e chegaram em Campo Mourão no limiar de 1943, no auge da II Guerra Mundial. Meu pai fez o curso de Medicina na UFPR-Universidade Federal do Paraná, e concluiu em 1940. Mamãe se formou professora no Instituto de Educação, na Voluntários da Pàtria. Eu também sou professora de Educação Física, mas nunca exerci. Tinha que cuidar da casa e não podia trabalhar fora justifica.


Longa travessia  - “Viajamos de Curitiba, de trem, até Ponta Grossa. De ônibus até Guarapuava, onde o Inspetor de Terra, Sadi Silva, nos esperava com uma camionete do Estado. Seguimos à Pitanga e em seguida até Campo Mourão. Esse último trecho era o mais curto e foi o que mais demorou a ser percorrido. A estrada mais parecia um carreador melhorado, coberto pelos galhos de imensos pinheirais o que mantinha a estradinha sempre molhada. 
A viagem foi normal, durou só 4 dias de Pitanga no Campo. (risos). 
As estradinhas eram ruins e os rios não tinham pontes. O carro atravessava os rios pelos rasos lajeados. Alguns desciam, tiravam os sapatos, regaçavam as calças, atravessavam a pé e embarcavam do outro lado do rio. Durante a travessia o motorista abria as portas pra água passar por dentro, pra não encher a cabine e levar o carro de roldão, rio abaixo, com tudo dentro", narra com cuidado.

Leite e frutas – “O sol ainda dormia. Chegamos de madrugada, escura, no Campo e fomos direto à casa da dona Anita Albuquerque e do seu Chico Albuquerque.  Não tinha hotel. Moramos lá no armazém deles uns 30 dias, até que nossa casa ficou pronta. Foi a primeira residência com janelas de vidraça na cidade. As outras eram todas de madeira, até a cobertura”, revela Delaimèe. 

Era Madrugada - “Na chegada amanhecemos na porta do Armazém dos Albuquerque. Dona Anita nos recebeu, preparou um cafezinho com bolo. Logo levantaram a Zizinha (Cacilda) e a Nice (Eunice) subiram e foram arrumar os quartos, no sótão. Nos lavamos na bacia, do jeito que deu, e fomos repousar da viagem no clarear do dia, até ao meio-dia. No outro dia, normal, levantamos de madrugadinha.
Meuu Deusss... Foii linndo!!" Exclama. 
“As meninas estavam tirando leite da vaca. 
Fomos lá com canequinhas na mão e tomamos leite quentinho, da hora. Ali conhecemos a Adalbrair, muito dispostinha, que já convidou a gente pra catar uvaia e araticum no mato. Parecia que ela foi nos apresentar aos pés de frutas nativas, já bem conhecidos dela (risos).
O primeiro armazém, a residência pousada e pensão dos Albuquerque ficava perto da Laje Grande, margem esquerda do Rio do Campo, onde hoje tem a Bica. Do outro lado tinha a serraria dos Metchko que depois vendeu aos Perdoncini onde, ainda hoje, está o casarão que era residência, no mesmo lugar”, aponta.

Improviso - “Nossa casa estava pronta. Depois foi escola e prefeitura, defronte a praça, 
Mas a mudança que o Estado prometeu transportar, não chegava. Tínhamos a casa vazia, sem nada. 
Então mamãe comprou uma porção de coisinhas no Armazém do seu Chico (Francisco Albuquerque), inclusive desses cobertores corta-febre. Fizemos camas de tábuas, colchões de palha de milho e uns lençóis. 
Improvisamos um fogão de barro, com uma chapinha de ferro em cima, no paiol separado da casa, senão a gente se afogava na fumaceira.. Uns tempos depois, a mudança chegou” diz aliviada.

Na banheira – Dona Aimèe trouxe tudo o que tinha em Curitiba. “Me lembro de um jogo de quarto, com 14 espelhos de cristal. A louça inglesa com 60 peças (porcelana) que ela ganhou no casamento. A vovó deu uma banheira antiga, forjada com cinco folhas de flandres (latão dourado), esmaltada por dentro e com moldura de madeira nas bordas”, detalha. Foi dentro dessa banheira que dona Aimèe colocou e transportou a louça fina. Embrulhou bem com papeis, toalhas, lençóis... tudo ali dentro. Chegaram inteirinhas no Campo”, explica.

A cidade – “Nesse tempo começava a cidade. Tinha menos de uma dezena de casas, incluindo a nossa. O quadrado da praça e tudo em volta era capão de mato. No bosque mais bonito, bem no centro, o povo se reunia e fazia festas. Tinha um poço de água e uma pista de corrida de cavalos (Raia dos Porungos). A igrejinha e as casas eram todas de madeira. Não tinha olaria no Campo”, descreve. 
“Dos poucos que moravam na cidade me lembro das casas do João Schnner, Teodoro Metchko, Modesto Três... o Hotel Central do seu Eugênio Zaléski, a Casa Iracema dos Cilião de Araújo... e o pastor Luiz Losso que construiu a Congregação Cristã no Brasil, pequena e de madeira também.  Só saia casas em volta da praça mas não tinha ruas abertas. Só existia uma avenida (Capitão Índio Bandeira) comprida que atravessava Campo Mourão, encontrava com a estrada, passava Peabiru e acabava no Rio Ivai. Depois do rio ia até Maringá”.

As estradas – “Tinha uma outra estrada que cortava em direção ao Barreiro das Frutas e atravessava o Rio da Várzea. Por ali moravam os Custódio de Oliveira e os Teodoro de Oliveira, todos de uma família só e numerosa. E tinha o Estradão (BR-158) por onde viemos, que cortava em diagonal até a cidade e terminava ali na esquina da rua Araruna e da Av. Irmãos Pereira, onde dona Dalva construiu o grande Hotel Brasil.  Uma outra estradinha de carroças ia da frente da Casa Iracema a Laje Grande na antiga venda do seu Chico e na serraria dos Metchko. Tinha outra estradinha que ia até a Santa Cruz e a casa do seu Jozé Luiz Pereira...  cruzava o Rio 19, na frente do gabiroval e emendava com  a estradinha de Peabiru. Eram todas estreitinhas, boas pra carroças e cavaleiros” descreve Delaimèe. 
“Meu pai, todo dia cumpria sua missão de médico. Cavalgava por essas estradas, ia visitar as famílias, examinar e ver se não tinha doentes. Era a missão dele?!" conta com orgulho.

Medo da Japonesa – “No fim da picada que ia da casa dos Albuquerque até a primeira rua da cidade (Santos Dumont esquina com  Irmãos Pereira) tinha uma casinha onde morava um senhor muito gordo (Seu Juca Padeiro). Era tipo um hotelzinho que a mulher dele tomava conta. Esse gordão levou uma amante japonesa morar com eles. Até aí nada demais! (rindo). Acontece que japonês tinha fama de ruim por causa da guerra; diziam que furavam o olho da gente com as unhas, e eu tinha muito medo de passar por ali. Coitadinha da japonesa, ela era boazinha e não tinha culpa disso. Ela começou a fazer pães gostosos e vendia. Botava um tempero que eu não gostava muito, parecia gosto de erva-doce. O pão era salgado e a coisa adocicada nele não combinava com meu paladar, né?!  (risos).

Relógio, o Sol – “Pouco adiante do Armazém dos Albuquerque tinha a serraria que os Perdoncini compraram, beeemm depoiis que chegamos. A mãe veio junto, muito mal, com um tumor na cabeça. Papai a atendia, tentou de tudo, mas ela faleceu. O filhos menores do Italiano (João Baptista Perdoncini), abaixo da Palmira e do Atílio, todos foram alunos de mamãe. Eles vinham a cavalo, junto com os filhos da dona Anita, até a escola isolada na praça. O Atílio (Perdoncini) e o Moacir (Albuquerque) não podiam se olhar. Brigavam e rolavam no pó, todo dia.. não sei porque!!
Outros estudantes vinham de mais longe. E quando chovia faltavam as aulas e depois se desculpavam assim: ‘ontem choveu professora e o sol não apareceu... a gente não sabia que horas era. Raramente alguém tinha relógio nessa época”, conta Deilamèe.

Tapera da lepra – "No meio da estradinha que ia da Casa Iracema ao Armazém dos Albuquerque tinha a tal da Tapera. Era um rancho onde ficavam os leprosos. Eles batiam lá em casa a procura do doutor Delbos, meu pai. A primeira vista não se sabia se estavam doentes ou não. Enquanto esperavam, mamãe servia cafezinho e comida em nossas louças. Papai cuidava da saúde deles, escrevia as cartas e os encaminhava ao leprosário do Estado, em Curitiba, que tinha bons recursos. Mas enquanto aguardavam o transporte, ficavam na Tapera de pau-a-pique". 

Tudo Junto - O consultório e um quarto pra doentes, era em frente da nossa casa, e junto tinha a sala onde mamãe dava aulas, mas ninguém sabia dos leprosos que iam ali onde as crianças  estudavam. Papai explicava que a lepra não é contagiosa. É falta de higiene.” Conta a bem informada Delaimèe, que adora Campo Mourão e mora em Curitiba, com a mãe e a irmã.



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