30/10/2019

* Pitanga e as Frutinhas do Campo ... Mourão

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A Pitanga do Campo

Dia 16 de novembro de 1950, nosso primeiro dia em Campo do Mourão.   Amanheceu claro, quente e  sufocante.  À quem vivia no clima variado mais tendencioso ao frio de Curitiba, foi um choque térmico violento. Mesmo assim, o dia estava bonito, com  poucas nuvens no céu.
Meu irmão Rubens e eu acordamos cedo depois de dois dias de viagem em jardineira, com acentos duros de madeira (Curitiba a Campo do Mourão) e uma noite mal dormida em cima de cadeiras pretas almofadadas adquiridas da Moveis Cimo, cheirando verniz, no salão de júri do casarão do Fórum da recém criada Comarca.  Era a única construção que  tinha  janelas com vidraças (sem venezianas)  e cobertura com telhas Santa Terezinha, de Irati-PR. 
As duas salas  da  frente   eram reservadas ao Juiz e ao  Promotor.   O  Cartório   ficava  na   porta   dos   fundos. Na frente  tinha uma plaquinha   preta   com   letras  brancas escrito   FÓRUM  de viés,     e   um  mastro   verde-amarelo de hastear  bandeira.

 
1950 - Fórum de Campo Mourão e Rubens Bathke 
Foto: Rogério Prado

Assim como entramos na noite anterior, saímos pela segunda janela envidraçada de erguer. Pulamos e perto, uma cerca de ripas, sem portão,  separava o imóvel da justiça de um terreno vago na esquina da Av Irmãos Pereira com a Rua Francisco Albuquerque, ali abandonado por muitos anos, edificado a bem pouco tempo.
O Rubens pulou a cerca, eu o acompanhei e, nisso, nos deparamos com algumas frutinhas atraentes, vermelhas, alaranjadas, verdes em plantas quase rasteiras porém robustas, espalhadas pela área toda no meio da vegetação diversa de carrascais. Era uma   quiçaça comum do cerrado. 
Catei uma bem graúda, de um vermelho escuro intenso,  macia, e perguntei ao mano: será que dá pra comer?
A gente não conhecia, e ele respondeu:              
- Coma, se for boa, como também!.. rsss... eu ri. Pensa que sou cobaia?

Gabiroba do Campo

Provei, comi umas, gostei e ele foi no embalo. Viu que não morri, devorou. Nos empanturramos – entremeio tinha muitas gabirobas verdinhas e  madurinhas mais doces que pitangas -   que estalavam na boca... plóc.    

Aproveitamos para conhecer a ‘cidade’ que nada mais era que algumas casas esparramadas feitas de madeiras, cobertas com tabuinhas lascadas de pinho, portas e janelas do mesmo material fechadas com trancas fixadas com um prego ou tramelas, por dentro. A delegacia, a prefeitura, a cadeia eram desse jeito. Os presos entravam e saiam a hora que queriam, mas eram 'proibidos' de fugir e se acaso o fizessem a polícia ia na captura não para prender e sim para matar. Aí o medo falava mais alto, ou cuspia chumbo o treisoitão.
Energia elétrica não tinha. Pavimentação não existia. Água encanada também não. 
-Pó e formiga saúva?  
-Tinha demais !!

Casa   Iracema,   Pensão Bom Jesus,   Sapataria   Paulista,   Hotel  Central  
 e   Bicicletaria do Doni   Leal   e   auto-falante em cima, logo após   o   Fórum

Andamos cerca de meia hora e vimos tudo. Não tinha 20 casas - era menos - além da Igreja igualmente inteira de madeira que se arvorava no ponto mais elevado da topografia e é o centro referencial de tudo. 
Destacavam-se os armazéns e os bares, uma pensão e três hotéis simples. As ruas e avenidas largas não pavimentadas chamaram nossa atenção pelas suas amplitudes, planejadas para uma futura cidade grande. A futura  praça ocupava duas quadras, entre as ruas Araruna  e  Harrison  José Borges (antiga Ceara) e as avenidas Irmãos Pereira  e  Índio  Bandeira, cortada ao meio pela Rua Francisco Albuquerque (antiga Paraná) que passava perto de um grande e majestoso bosque de Copaibeiras,  enquanto a escola isolada, prefeitura e câmara funcionavam de parede e meia em uma casa só na Av. Índio Bandeira quase na esquina da Rua Brasil. Onde está o Ed. Mourão era o pátio e almoxarifado municipal que possuía um Caminhão Ford, uma Motoniveladora Caterpílar e um Trator de Esteiras com grande lâmina na frente para terraplenagem, derrubada das árvores e abertura das vias públicas.
Os poucos carros (autos) que circulavam, em intervalos demorados - a maioria dos anos 40/50 - deixavam para trás nuvens de poeira que, na velocidade, levantavam da terra castigada pela seca e sumiam no meio dela.

BR-158 - Roncador/Campo   Mourão adiante  da Vila Guarujá
e Horto   Municipal

Nesse curto reconhecimento paramos para conhecer a casa da tia Anita e do tio Chico,  que alguém nos indicou, na antiga rua Paraná, atual Francisco Albuquerque,   esquina da Av Índio Bandeira, oportunidade que conhecemos os primos e primas da família Albuquerque, sobrinhada da nossa avó Idalina, irmã de Francisco Ferreira Albuquerque, que ela o chamava de Cuta, ambos nascidos na Lapa - PR.
Foi aí que ficamos sabendo que a frutinha vermelha chama-se Pitanga e a verde Gabirova entremeadas ao Juá espinhento e vermelhinho, a Capota peludinha verde, Ariticum cascudo e a Cereja do campo rochinha igual de árvore, a maioria extinta ou rara,  ceifadas pela urbanização.

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Cereja   do campo e de   árvore se parecem

Estas frutas do campo, além das que dão em árvores, foram alimentos das famílias de tribos nativas,   dos  animais e  aves   que povoavam   abundantemente   o cerrado   mourãoense   e   as matas  primitivas  em seu entorno, em toda extensão dos pinheirais e madeiras nobres, do   imenso   Vale do  Ivaí ao Piquiri.

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Diz    a   lenda   que   só  nasce   pitanga e gabirova onde tem   lagarto e   lagartixa -verde. Na  época tinha  bastante.  Hoje,   raramente, são avistados e as plantinhas das frutinhas, da mesma  maneira, estão desaparecendo quase que por completo.  

Lagartixa do cerrado ligeira qual um raio


PITANGA


GABIROVA

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