22/01/2019

Wille: o que é ser Historiador, by Fernando



Falar em História enquanto conhecimento nos dias de hoje é ampliar o horizonte. Dentro desta concepção epistemológica, diríamos mesmo, é dar sentido à trajetória que cada um tem ao conduzir seus passos no caminho da vida.
De longa data se discute a profissionalização da atividade do Historiador e atrelada a ela está à própria história, buscando seu status de conhecimento cientificamente conduzido.
A mãe do conhecimento passa a ser filha de seu próprio dever.
Conceituar alguém como historiador é imputar-lhe um peso sobre o desdobramento dos acontecimentos, como se este fosse responsável por sua realização. Por outro lado é conferir-lhe um caráter amplo de conhecimento no campo da heurística, fazendo dele a base de um processo amplo de compreensão.
O historiador deve ter em mente (a verdade) que seu ofício prima pela explicação, complexidade da ação humana. 
Possuir o título de Historiador nem sempre fundamenta a ação, mas confere status de apropriação sobre o acontecimento histórico.
Cabe lembrar também que se a academia propõe a formação do historiador e do professor de história. Por outro lado isto só se tornou efetivo porque tantos outros foram apaixonados pelo conhecimento da história e quiseram registrar os feitos humanos a partir de suas concepções particulares de método.
Alguns pomposamente acadêmicos, outros professores de história, mas historiadores em suas práticas. 
Dentre estes gostaria de lembrar uma historiadora curitibana em especial, a saudosa Maria Nicolas, professora das primeiras letras, poeta sobre as ruas de Curitiba que em sua coragem de pesquisadora fez jus ao título de historiadora municipal. Quantas vezes a secção de documentação paranaense da Biblioteca Pública do Paraná teve o prazer de sua presença quase anônima, por vezes tímida, mas indubitavelmente efetiva num ofício tão próprio. Num tempo em que se anotava a mão a maioria das coisas importantes que se lia, em dedos que formaram calos ao escrever. Assim, escreveu sobre as ruas de Curitiba, sobre presidentes de província e sobejamente escreveu história. Espírito de luz que soube captar nas entrelinhas do documento a informação apropriada, trazendo à tona o conhecimento preciso. Transformando a história em delicada arte.
O historiador cria, inventa o cotidiano histórico a partir de seu olhar aguçado, como dizia o historiador francês, Jacques Revel.
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Jacques Revel:
Entre a história da historiografia...
Mateus Pereira 

O livro em questão apresenta uma das mais importantes análises sobre a história da historiografia. A publicação dos textos de Revel referenda e complementa determinadas visões consolidadas sobre aquela que foi a principal matriz historiográfica para os historiadores brasileiros. O livro pode ser lido como um retrato das diversas "crises" da produção histórica a partir do final do século passado.
A proposta levada a cabo, pelos primeiros Annales, de transformar a história em uma ciência, "também propunha um positivismo, o marxismo e o estruturalismo agrupados sob o rótulo de funcionalismo”.
Revel destaca que os "pais fundadores" dos Annales (Marc Bloch e Lucien Febvre) rejeitaram toda construção teórica e epistemológica que sustentava projeto sociológico durkheimiano. É no interior dessa perspectiva e da defesa da prevalência da história em relação às outras ciências sociais que se dá escolha do conceito de "social" para primeiro plano de investigação histórica: "social está na medida das ambições ecumênicas e unificadoras do programa".
Autor destaca que, para os primeiros autores dessa "escola", a história permanece essencialmente empírica, em especial pelo fato de que o "social não é jamais o objeto de uma conceituação sistemática, articulada, ele é, sobretudo, o lugar de um inventário, sempre aberto, de relações que fundam a 'interdependência dos fenômenos”.
Jacques Revel aprofunda esse "novo empirismo" ou "positivismo crítico" onde o "método" ganha primazia em detrimento da teoria e das condições de produção históricas. 
Porém, desde os anos 70, assiste-se a um conjunto de interrogações sobre a disciplina e a prática historiográfica levada a cabo a partir desses pressupostos. Desde então surge uma série de tentativas para se pensar uma "nova história" do social, crítica e problemática.
O livro História e historiografia é composto também por três textos publicados em Um percurso crítico, a saber: "A instituição e o social", "Máquinas, estratégias e condutas", "O fardo da memória". Eles apresentam autores e perspectivas que, do ponto de vista de Revel, ajudam a pensar alternativas à "crise" da história social: as proposições de Michel de Certeau, Michel Foucault, Edward Palmer Thompson e Norbert Elias, além da microanálise, dos jogos de escalas e dos estudos de caso.
Revel, em "Máquinas, estratégias e condutas", afirma que a maioria dos historiadores está satisfeita com uma leitura redutora de sua obra. Apesar disso, ou por isso mesmo, seus textos são lidos com assiduidade e fidelidade pelos historiadores há mais de quarenta anos. Ele sugere que, ao contrário de um uso que pretende restituir o sentido essencial do texto Foucault, dever-se-ia "levar em conta o conjunto dos efeitos, entendidos e mal entendidos que são como a sombra espectral de uma proposta"..
Nessa direção, não deixa de chamar atenção uma citação de Siegfried Kracauer no ensaio consagrado a esse autor: "adoro o lado confuso do pensamento dos historiadores; ele é igualmente exato na medida em que permanece inacabado".
É bastante interessante também a aproximação que Revel opera entre as perspectivas de Kracauer e as de Paul Ricoeur, no que se refere à heterogeneidade e incompletude da narrativa histórica. Um dos pontos altos do ensaio é a forma como o autor explora, a partir de Kracauer, a homologia entre história e fotografia.
Revel defende a experimentação da narrativa histórica como alternativa a esse tipo de história nos dois breves textos que fecham o livro. O primeiro sobre a questão da biografia; o outro dedicado aos estudos da memória.
Essa leitura do autor de "A operação historiográfica" nos ajuda a combater abusos do subjetivismo contemporâneo, já que para Michel de Certeau a produção histórica é produto de um lugar essencialmente social. O Certeau de Revel nos recorda que "o historiador se submete aos imperativos de uma profissão pela qual deve fazer conhecer e com a qual ele se encontra em negociação constante por tudo que toca suas maneiras de fazer e de dizer".
A heterogênea coletânea de textos de Jacques Revel nos ajuda a repensar certos passados e conceitos dominantes e estruturadores da nossa prática historiadora. Nessa direção, o livro pode contribuir para pensar questões que o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro talvez tenha formulado de forma mais radical: “os conceitos  de "social" e "cultural" ainda têm pertinência? Qual a relevância de uma história] social ou cultural"?  As alternativas para Castro oscilam entre repensar os adjetivos que acompanham a disciplina ou a elaboração de uma linguagem conceitual diversa.
Podemos dizer que a presença explícita e implícita de Michel de Certeau na obra aqui resenhada, contribui para que Revel realize o exercício de criticar a historiografia dos antecessores e do seu presente para, ao mesmo tempo, construir espaços e lugares para a emergência do novo. Em especial, por servir de alerta à tentação que essas subdisciplinas permanentemente vivem e é considerada, por seus praticantes, a melhor forma de se escrever história. 
Contra essa sedução, os ensaios de Revel sugerem outros caminhos: a criatividade, a experimentação, o rigor, a erudição, a autocrítica e a verdade.
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História, historica
De dona Marica e o Pedro Marquês,
Quer que eu conte outra vez?

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Fernando Schinimann  <(clic aqui e acesse nosso face) 
Adaptação ao Blog do Wille Bathke Junior

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