13/12/2018

Armas da Floresta, ouvi em Campo Mourão


Histórias e chimarrão
Meu avô Rodolfo, meu Pai Ville, meu tio Lôlo, enfim, a 'famiagem' se reunia cedinho e à tardinha na cozinha de fogão a lenha e panelas pretas de ferro-fundido, antes do café e da janta, para sorver um chimarrão de cuia, chaleira e água fervente que minha avó Idalina preparava com maestria e a bomba nunca entupia.
Qual é o segredo vó? 
- Sasinhora... Depois te conto! 
Contudo momento algum contou. 
Porém, observei e descobri: água fria antes, a fim de firmar a erva e depois a água fervendo, sem remexer a bomba. 

Os que gostava mesmo de contar histórias e causos de todo tipo, eram meu avô e o baixinho tio Lolo (Antonio Lourival Bathke). Era meio encrenqueiro quando tomava umas e outras, mas de coração bom.
Tio Lolo era mais potoqueiro com suas historias de pescaria de taraíras e capivaras, no Rio Iguaçu que passa perto da chácara onde  moravam em Balsa Nova - PR. 
No tempo da II Guerra minha mãe e o mano Rubens iam de Curitiba até lá de trem e às vezes a pé pela estrada de ferro, sobre trilhos e dormentes .
Em Balsa Nova nossos avós criavam peixes também que vinham até os taludes dos arrozais da chácara, nas cheias do famoso caudal.
 
Tinha um fortificante que davam para nós tomarmos antes do almoço quando criança: ‘emulsão de scott’(óleo de fígado de bacalhau)  ruim de fazer careta. Eu apertava o nariz com os dedos, na hora da colherada, para não sentir o cheiro e engolia seco, com ajuda de um golão de água.
No rótulo tinha um homem de chapéu, bem vestido, com um bacalhau enorme nas costas. Não há de ver que tio Lolo falava que era retrato dele quando fisgou uma carpa  daquele tamanho, que arrastava o rabo no chão. Na realidade quase maior que ele. 
Eu não ri senão ele me batia. Só sai de perto para rir  longe  do alcance dele.
-Tá rindo do que piá pançudo?... depois te pego e te dou uma tunda!! 
Mas nunca pegou. Eu corria mais que ele. Depois passava a brabeza. Eu pedia benção. Ele respondia: Deus que te abençoe!!  Eu fazia uns cigarros de palha pra ele e ficava tudo bem. Era igual fumar o 'paieiro da paz'.

No meu avô eu acreditava, até na história que ele contou das Armas da Mãe Natureza:


“A Floresta tem suas defesas contra os maus", dizia ele. "A Floresta respeita e não agride as pessoas que não lhe fazem estragos e prejuízos".
"Quando eu saia do limpo e entrava na mata com meus camaradas, para cortar arvores e fazer lenha para a Maria-fumaça da estrada de ferro, eu voltava todo arranhado e roupa rasgada que a Idalina não vencia remendar.
Mas a gente tinha machado, foice, serra traçadora longa e larga de dois cabos. Não tinha como a Floresta nos resistir”.
Curioso para saber que ‘armas’ a Floresta tem, vovô explicava:
“Quando a mata é virgem – sertão bruto – as primeiras enroscadas que você  leva, quando entra nela, é nos cipós de todas as alturas e grossuras. Levamos muitos pialos  assim. Você se agacha, se levanta tem que gingar muito para abrir picada e seguir adiante. 
Alem do enrosco nos cipós tem as barreiras dos taquarais e bambuzais super fechados;
tem nhapindá (anzol  do diabo), tem o arranha-gato com espinhos virados para dentro e quando te fisgam, além da dor, é difícil desenroscar deles. Rasga a roupa e a carne da gente. Tem a espora-de-galo, baixinha que te pica as pernas até as coxas, além das urtigas de todo tipo de folhas que queimam a pele quando esbarramos nelas ou quando, sem saber, é usada para outros fins.,  (rindo)... isto sem falar dos mosquitos, pernilongos, os borrachudos, os 'pórviha' que zumbem e entram na tua orelha, no nariz, no olho... não de tão sossego; as abelhas e vespas... aranhas... cobras... formigas... mas apesar de todos seus exércitos naturais e árvores enormes que barram as passagens, a Floresta não tem armas poderosas igual as do homem mau: foice, machado, serras, facão e até serra-elétrica (moto serra) a pior de todas. O barulho dela é horrível. Tem o som da morte.
É assim que aos poucos, mas sem parar e sem piedade da Terra, os homens estão acabando com a vida no planeta. Muitas espécies de árvores, animais, aves e tribos que faziam dela a sua morada e fonte de alimentos, já não existem mais. Foram extintas.
Fazenda entre Campo Mourão e Roncador - BR 158
antes um pinheiral. Hoje pasto pobre.

As maiores Florestas foram 'cremadas' viraram cinzas e hoje estão 'sepultadas' sob o asfalto, arranha-céus, mansões, casas de todo tipo e tamanho. São os latifúndios, as fazendas agrícolas e pecuárias que as substituíram,  que fizeram e fazem o maior dano à Terra derrubando, queimando a sua proteção e fonte de oxigênio dos seres vivos. Onde as arvores são derrubadas abrem-se enormes "feridas" que não cicatrizam mais.
Arvores para os gananciosos é estorvo. Para a Mãe Terra é vida.
Até quando ela vai resistir? – Apesar de muitas vezes reagir com violência para tentar se recuperar matando muita gente – não sei !!
Só tenho certeza de uma coisa. O homem vai desaparecer da Terra por culpa dele mesmo. 
A Terra nunca vai ‘morrer.’ E quando a humanidade sumir e nada mais for danoso, ela vai se recuperar lentamente e vidas novas renascerão”.

Eu fiquei assustado. 
- As crianças também vão morrer, vô?
- Também. Se você não tirar esse estilingue do pescoço e parar de matar passarinhos (asseverou). Eles é que semeiam as matas!

Imagem relacionada
Parei !!
Pensando bem, é covardia matar os bichinhos indefesos e tão bonitos, né?

Coments:
Meu irmão Rubens lembrou que certa vez perguntou ao Vô Rodolfo porque na casa dele não tinha flores, nem jardim.
 Ele respondeu:
-  Não planto porque não como flor.
Planto frutas, alimentos e  arvoredos. Desses eu como!  
A flor é órgão de reprodução e quando fertilizada pelos insetos (principalmente abelhas) e passarinhos, gera sementes que caem no chão, brotam no seio da Mãe Terra, se reproduzem e preservam a espécie e a Natureza. 
 
 1938Nossa mãe Maria Conceição Vera, o menino Rubens Bathke 
com nossos avós paternos Rodolfo Bathke e Idalina  Albuquerque, em Balsa Nova - PR
Atrás da Vó um pé de limão. Ao fundo o cachorro  Cortavento. Eu ainda não tinha nascido

 
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