30/11/2018

Fatos e Lendas de Campo Mourão - O Escrivão Analfabeto

 

Nhô Juca gostava por demais de uma roda de chimarrão, pela manhã e no final da tarde, com amigos e vizinhos, sentados nos paus  bancos, em roda de um fogo de chão onde a chaleira de ferro fervia a água de preparar o mate quente, em riba das brasas. 

Nesses encontros não desprezava um mal feito e fazia de um pé de frango, um almoço. 

Contava certas coisas e causos estranhos, muitos engraçados, pelo seu modo de falar, ligados a Campo Mourão.

Sem graça ou com graça, ao final  ria ou gargalhava de doer a barriga. Aí pedia água e sossegava o pito por umas horas. Tomava mais uma ou duas cuiadas e lá vinha outra vez.

"Pois bem, essa é sem graça, mas aconteceu. Foi quando Campos do Mourão era distrito de Pitanga. Tinha aqui, um cartorário em nome do titular da Comarca, que era lá em Guarapuava. 
 
O livrão grosso e preto de registrar os nascidos e morridos ficava guardado no armário da sua casa, sob custódia de declaração de fé e conhecimento da grande responsabilidade que tinha assumido. Ficava chaveado e só a sua mulher tinha cópia da fechadura.
Isso se passou lá pelos idos de 1930 e caquerada.


 
Ocorreu, nesse tempo, um levante sulista com o caudilho baixinho, Getulio Vargas, na testa do comando. As tropas getulistas derrubaram o governo republicano e impuseram a ditadura. Tiraram todo mundo que ocupava cargos e carguinhos... pelegos e cabides do governo deposto e trocaram pelos seus seguidores, em sinal de confiança e recompensa pelos bons serviços prestados nos combates. Era a tal lei da compensação que, aliás, não mudou muito.
Mas ai de quem falasse mal do governo ou criticasse o Getulio. Era preso e sumiam com o infeliz. Foi o tempo das degolas. Não tinha volta.
Essa pessoa da qual vou me referir agora, sem citar nomes por meus cuidados, não gostava do Getulio e falava mal do baixinho. Era um safrista respeitado, de boas posses, tipo coronel, sempre bem aparado, chapéu de feltro com  aba larga marrom... bom cavalo e dois revólveres 38 no cinturão-guaiaca. Pra matar um, por qualquer coisa, era com ele mesmo e não precisava muito pra provocar sua ira: bastava olhar torto ou atravessado pra ele. Nem perguntava: o quê foi? 
E lá se ia mais um... ou menos um? rindo.
A moda dos getulistas era ter em volta do pescoço, um lenço vermelho, com nó no gargumilho do gogó. E esse homem brabo não colocava o lenço-senha de jeito maneira.
Os lideres tementes ao Getulio resolveram, na surdina, dar o cargo a um companheiro que usasse lenço colorado no pescoço e pertencesse fielmente ao grupo dos poucos e valentes revoltosos campos mourãoenses.
Escolheram um 'amigo' , formaram a comitiva e foram até a sede da Comarca, a cavalo, 15 dias de ida e 15 na volta, para passarem o maior carão e vexame da sua história.
Lá chegando se apresentaram ao juiz nomeado pelo interventor do Estado. Disseram a que foram e, o indicado ao cargo, junto, todo faceiro, se achando o bicho da goiaba.
O juiz vestido de preto longo básico - convidou-os para adentrarem à sala do Fórum... ordenou que tirassem os chapéus e se posicionassem silenciosamente à sua frente, em pé, com olhos fixos nele.
Pediu o nome do cidadão candidato a escrivão, residente nos Campos do Mourão... mandou o escrivão  fazer o termo de posse e compromisso, tudo na maior pompa. E o pessoal ali, igual estátua.
Estando pronto, dentro dos conformes, o escrivão procedeu a leitura do termo e o juiz indagou se estavam todos de acordo. A resposta unânime foi: Sim Senhor, seu Doutor!!
Isto feito chamou o indicado e mandou que assinasse no Livro de posse... nessa linha aqui, indicou com a caneta na mão.
Esse homem indicado, se encolheu... afastou da mesa, olhou pra láa... pra cáa... pra cima... pro chão... (rindo)... ficou ali parado igual besta empacada, e timidamente balbuciou:
- Doto. Desculpa eu... não sei assiná!!
Um dos amigos dele falou: "assina em cruiz, oras!!





 
O Juiz visivelmente irritado, esbravejou e quase mandou prender a turma.
Disse, aos berros, que não aceitava brincadeiras e nem chacotas!
Mass.. doutor.... tentou argumentar alguém ali.
O juiz, brabo, repetiu:
      Nada de mais nem de menos, cammmbada... sumam daqui e só voltem quando o assunto for sério. Não tenho tempo a perder!
Não se despediu, nem nada... retirou-se pisando duro, com aquela roupona preta esvoaçando  e os getulistas voltaram encabulados e quase deram uma coça no escrivão analfabeto que veio mudo de Guarapuava aos Campos, enquanto os outros tagarelavam o tempo todo, sem esquecer o sabão que o meritíssimo lhes passou.
Por quê você não falou antes da gente vir, que é tongo, seu burro?
E o analfa queto... não respondeu.
  - E o outro, o rebelde que ficou no Campo?  -Perguntou nho Batista.
- Ele nunca vai ficar sabendo da  nossa patriótica tentativa de tirar o livrão dele. 
Os traíras tinham medo da reação e assim continuou escrivão o rebelde sem lenço vermelho, mesmo!
Vai vendo:
-Depois descobriram que esse também era analfabeto porque alguém da casa dedou  a sua mulher. Era Sadona que escrevia naquele livrão e também falseava e assinava o nome do Zébedeu.  Pode? - e riu sacolejando a pança. 
 
Nhô Juca terminou o causo, mas ninguém reagiu. Só ele.
Por quê será, hein compadre Juca ?! 
Eu sei porque? disse compadre José:
Que arrematou: Porque é sem graça mesmo. Isso é coisa séria!

Mas valeu o registro que agora entra oficialmente em nossa rica história mourãoense.
Caiu na internet é de domínio público e não se apaga jamais, neh?
Pois eh seo Zé... 
até a próxima, se Deus qui zé !!

}{

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