06/07/2011

Campo Mourão - Bang Bang em teatro


Surra no palco e prisão na rua


1944 – "Algumas casas estavam em construção em volta da praça. Mas tinha uma que não acabava nunca, perto da residência do médico Delbos, onde depois foi ocupada pela escolinha isolada, prefeitura e câmara. Tudo junto, apertadinho.
Em meados de 44 chegou  um pequeno grupo teatral de mambembes, da Companhia Maria e Vovô do Norte. Pediram licença a Francisco Albuquerque e se instalaram na tal interminável ‘construção’. Tinha paredes e assoalho, mas não tinha cobertura.
Anunciaram o espetáculo e a região toda veio assistir. Encheu de gente ávida por novidades, pois raramente acontecia diversão em Campo Mourão. A avenida (só tinha uma) e a praça ficaram rodeadas de cavalos encilhados, carroças e de famílias inteiras, bem vestidas, para a rara ocasião... as moças perfumadas com água de cheiro e a maioria das pessoas curiosa porque nunca viram representação teatral.

Surra de artista em Campo Mourão

À noite começou o show a luz de velas e lampiões. O povo sentado em bancos, a maioria em pé, outros encostados nas paredes. Também tinha gente de pescoço esticado, assistindo la fora.

A dupla, Maria e Vovô do Norte, abriu a sessão com xaxados e cantorias nordestinas, alegres, ao som de viola e pandeiro. 

Tinha um número em que Vovô do Norte deitava no chão, os ajudantes punham uma pedrona sobre o peito dele, a Maria (bem gordinha) subia em cima, cantava, pulava e sapateava sobre a pedra. Era demonstração de força e resistência de quem estava por baixo.

Outro quadro mostrava um casal briguento, que acabava com Vovô do Norte a surrar Maria, pra valer... os gritos dela eram de dor mesmo, não era nada de ceninha de artista. Foi uuuma suurra daquelas... brigaram de verdade!!

Na segunda noite chegou seu Basílio Conde – um temido pistoleiro – compadre do meu pai (Delbos). Trouxe a família na carroça para ver o teatro. Estava armado com dois 38, um de cada lado, na cinta. Conde matou uns desafetos, andava foragido e tinha mandado de prisão contra ele. Mesmo assim, curioso, veio até a pequena vila de Campo Mourão.

No meio da pequena multidão estava o Delegado, também armado. Quando o avistou, sacou seu revolver e foi até ele e lhe deu voz de prisão. Conde, com um filhinho no colo ao lado da sua mulher e dos outros filhos, todos menores,  estava na porta da construção de madeira do teatrinho e disse que não ia se render. "Você só me pega se me matar, caboclo véio"!!

O delegado gritou: "deixa de papeação Conde... Me dá a criança e as armas... Você está preso!!"
A multidão se afastou... Formou uma meia-lua e olhava a cena meio de longe, mas o Conde resistia, negava a se entregar.

Sem ninguém esperar os dois começaram a atirar, pula pra cá... pula pra lá... e foi aquele sururu e uns gritavam: deitaaa... deitemm no chão. Deitaram na poeira... até eu, de barriga... para escapar das balas... e fedeu pólvora queimada.

O Conde, escondido do lado da casa, negaceava (sondava) o delegado... chamou  Delbos e lhe entregou a criança. 
O médico pegou a menininha e pediu, calmamente, que ele (Conde) se rendesse e assim evitaria mortes. Ele falou alguma coisa ao meu pai, meio baixinho, não deu para entender e jogou as armas no chão poeirento, ergueu as mãos acima da cabeça, de chapelão, e se entregou... foi levado e trancado naquela cadeia velha da rua Araruna, onde só ficava preso quem queria. Não tinha segurança nenhuma. Tinha portas e janelas de madeira, com selas de trancar com tramela e grades de cabos de vassoura.

 
Primeira cadeia de Campo Mourão - 1940 

Nisso chamaram meu pai (médico) pra socorrer uma professora desmaiada, caída no chão, entre os bancos, parecia morta. Ele a examinou, viu que respirava, apalpou e percebeu que ela estava com algo muito apertado e fundo na cintura, coisa de tirar o fôlego. Ele puxou, rasgou... arrebentou aquela peça de roupa e sentou a professora que, aos poucos, se recuperou. 
O que ele arrebentou?
Foi o cadarço da calcinha dela que ele arrancou junto e jogou fora. 
Dona Aimèe, esposa de Delbos, viu  a moça naquele estado, correu até a casa dela e trouxe uma nova pra professora que lecionava no km 23.

Depois desse entrevero e deste incidente, novamente  acenderam os lampiões, as velas... Mas Maria e Vovô do Norte, com sua equipe, sumiram na escuridão... escafederam.
O povaréu esparramou e foi embora bem de noite, e o seu Conde preso naquela espelunca.
Meu pai entregou a criança à mãe que, chamou os filhos, subiu na carroça, tocou e sumiu na escuridão, rumo a sua casa que ficava entre a Venda Branca e Peabiru".

>Narrativa de Delaimèe<

..

Nenhum comentário:

Postar um comentário