29/06/2011

* Álvaro Gomes - Paixão; Futebol em CM

Álvaro Gomes narra sua vida em Campo Mourão,
e revela tudo sobre a Mourãoense, no futebol profissional.

"A coisa era tão brava em Campo Mourão que um dia fiquei sujo de barro pra baixo e de trigo pra cima. Foi minha primeira viagem na estrada Campo Mourão-Goioerê (BR 272). Quem chegasse na Venda do Jesus estava salvo... te confesso que comi o pão que o diabo amassou, de trigo cru! Na chegada, a Lourdes ficou horrorizada com a cidade. Mas superamos tudo e vivemos a melhor fase de nossas vidas em Campo Mourão. Uma cidade que se tornou Modelo e que amamos de paixão!" 


 
União da Vitória ontem e hoje

Álvaro Gomes nasceu eu União da Vitória, dia 6 de janeiro de 1928. Filho de portugueses: Maria Laura e Antonio Gomes, administrador de fazenda agropecuária. "Meu pai construiu cerca de 20 casas de aluguel e tinha um Armazém se secos & Molhados, na minha cidade natal".
O garoto Álvaro Dias começou a estudar no Grupo Escolar Professor Serapião, depois no Ginásio São José. "Concluí meus estudos em Curitiba, no Colégio Estadual do Paraná, ali perto do Passeio Público e me preparei bem, a fim de prestar vestibular na Universidade Federal do Paraná, e graças a Deus, me dei bem. Ganhamos até uma viagem à Argentina, eu e o Osvaldo Wronski, presente do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, nosso incentivador. Foi quando faleceu a Evita Peron, estávamos lá e fui ao velório dela. Muito bonita, nem parecia estar morta"

Alvaro estudou na Escola Professor Serapião e Colégio Estadual
 

1949 - Neste ano prestou vestibular e estudou Odontologia na UFPR-Universidade Federal do Paraná. "Um dentista antigo de União da Vitória faleceu e o filho dele me ofereceu o consultório, bem montado e todo aparelhado. Foi aí que comecei minha vida profissional. O gabinete era ali, na Praça Ercílio Luz", explica Álvaro.

Longo romance - "Namorei a Lourdes durante nove anos durante meu tempo de estudos. A vontade de casar era grande, mas eu tinha que me preparar e dar um lar confortável á ela. Aí, quando assumi o consultório e comecei a ganhar meus trocos, casamos ligeirinho (sorri). Foi em 1953, em União da Vitória onde nasceu a Regina Célia. O Álvaro Júnior nasceu em Campo Mourão e me orgulho disso", relata feliz.


RVPSC - De 1953 a 1958 foi assistente social na Congregação 26 de Outubro da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, que interligava os dois estados por via férrea. "As pessoas brincavam com a sigla RVPS  e traduziam assim: Restaurante Vagabundo, Pastel Sem Carne"... ri Álvaro Gomes.

"Onde não tinha estação o povo esperva e embarcava na estrada"

Vila horrorosa - "Como te falei, vim sozinho. Me instalei male mal em Goioerê que se formava. Uns meses depois vieram minha mulher e a filha," e dona Lourdes aparteia: "Chegamos morar lá, com o Álvaro, em agosto de 1958, mas era tudo um horror. Aguentamos ficar naquela vila só por dois meses. Era tudo sujo, sem conforto, tudo muito difícil" reclama dona Lourdes. "O Álvaro ficou, mas eu e minha filha retornamos ao conforto de União da Vitória.", justificou.

Campo Mourão"Só voltamos, em definitivo, em 1960, quando o Álvaro se instalou em Campo Mourão, que já era melhor, um pouco. Nos hospedamos no Brasil Hotel, o mais chique da cidade na década de 60." elogia dona Lourdes.


"Melhor Hotel de Campo Mourão" (acervo Rubens Bathke)

Era uma casa enorme, de madeira, com térreo e um pavimento superior, coberto de telhas, na rua Araruna, esquina da av. Irmãos Pereira. "Era tão gostoso e ia tanta gente importante que eu até fazia pratos especiais, no almoço e na janta. Todo mundo elogiava. Essa era minha gratificação em poder ajudar a amiga Dalva, que tão bem nos instalou em seu hotel", agradecem.

Filhos - Passada a fase de ajustes e adaptação, a família Gomes reformou um imóvel residencial de propriedade do madeireiro Manoel Victor Teixeira (Serraria Vitória) e passaram a morar na av. Manoel Mendes de Camargo, onde nasceu o filho Júnior (economista), que atualmente é gerente do HSBC em Curitiba, enquanto a filha Regina, formada em Educação Física, pela Faculdade de Ponta Grossa, trabalha na Secretaria de Estado da Educação, também em Curitiba. "Temos um casal de filhos, que só nos dá alegrias e orgulho", diz dona Lourdes, sorrindo feliz.


 
A primeira placa à esquerda diz: A. Gomes
DENTISTA  (clic e amplie a foto)

Boca Maldita - "Quando optei por Campo Mourão (1960), o farmacêutico Osvaldo B Wronski, meu contemporâneo de universidade, me ofereceu a sala 2 de cima, no primeiro sobradinho construído na cidade. Montei meu consultório, instalei o primeiro serviço de Raio X e comecei atender a clientela ali (av. Capitão Índio Bandeira, quase esquina com rua Brasil). Na entrada tinha o Chalé dos Milhões, do amigo Machadinho que vendia bilhetes de loteria (aparece na foto) e jornais. Do lado esquerdo tinha a Casa dos Retalhos (esquina do barulho e ao lado direito da Farmácia América os bares: Caiçara e Copacabana, onde os amigos se reuniam antes do almoço, tomar um golinho e bater um dedo de prosa. Entre um copinho e outro, atualizávamos as conversas e botávamos as fofocas em dia... ali se papeava de tudo: política, vida dos outros (risos) e, principalmente futebol, meu fraco. Era tipo uma 'boca maldita'  mesmo!" exclama rindo.


Aqui aparece o Bar Copacabana, Caiçara e a placa de A. Gomes, meio caída.
 Pessoal embarcando à Aparecida do Norte

Paixão - "Você sabe que a minha paixão, a vida toda, sempre foi futebol, né?! Inclusive quero te agradecer pela força que sempre me deu no rádio.
Quando comecei morar no Campo, ouvi falar da força esportiva do União Operário que sobrevivia do jogo-do-bicho (aquele tempo podia) igual a maioria dos clubes cariocas. O União esnobava categoria. Foi um timaço que durou pouco tempo. O presidente já era o radio técnico Alvaro Mariani e a sede era no desativado Cine Mourão, mas acabou assim, do nada", lamenta Álvaro Gomes. 
"Tinha também o Iguaçu, criado pelo Nonô (Theonaldo Siqueira Ribas) da Madeireira Clauri e pelos irmãos Santinor e Eduardo Portes Rocha - advogados e madeireiros. O Santinor era o técnico e o campo do Iguaçu era ali na terra da Praça Munhoz da Rocha e o do União no terreirão atrás do Clube 10 de Outubro", recorda saudoso.

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Dr Alvaro Gomes é o primeiro à esquerda, em pé.
Coincidência:  o último em pé, Dr Edson Salgado, também era dentista

Futebol profissional - Em 1964 o prefeito Milton Luiz Pereira reformou o Estádio Municipal Roberto Brzezinski, com excelente gramado, introduziu várias melhorias e começou-se a cogitar de Campo Mourão aderir ao futebol profissional. 
"Isso foi resultado daqueles papos no Bar Caiçara do Hamilton Gonçalves. Está lembrado?... Um belo dia o MIlton convidou a turma a participar de uma reunião na Prefeitura e fomos à Câmara Municipal que era anexa... Ele disse que estava disposto a ajudar, mas o nome tinha que ter tudo a ver com Campo Mourão... Foi quando, dia 10 de Outubro de 1964, fundamos a Associação Esportiva e Recreativa Mourãoense - AERME, primeiro clube de futebol profissional de Campo Mourão registrado na Federação Paranaense de Futebol-FPF,  na época presidida pelo Francisco Milani", registra com precisão.
"Me recordo que nesse tempo tinha a loja Hermes Macedo, muito famosa, e quando a AERM acabou empepinada em 1977, os credores iam na Hermes Macedo cobrar seus haveres de dívidas do clube... pensavam que a loja era A Erme Macedo.. era até engraçado!" (risos).

Primeiro time a AERM - Voltando um pouco. Nesta reunião com o prefeito, o Hamilton Laurindo (Caputira da Coletoria Estadual) foi nomeado o primeiro presidente da Mourãoense; o Santinor Portes Rocha ficou como vice e o Alcyr Costa Schen, o Diretor Esportivo. 
Em 1966 a verde e branca Mourãoense estreou, oficialmente, em Andirá, na primeira divisão do futebol profissional do Paraná. 
O quadro contratado era formado por: Romeu e Chiquinho (Gordinho) goleiros; Neuci, Davi, zagueiros; nas laterais e meio de campo: Pacífico, Zé Mundinho, Ney, James, Macedo, Renatinho e Latito; atacantes eram Pepino, Fefeu, Nininho, Postali, Joel, Nacir, Catarina, Neroi e Luiz Táis. O Osvaldo Silva veio como técnico. O elenco tinha 20 bons jogadores e um time até razoável. Na média: batia e levava!" 

 
Campo Mourão nos bons tempos da Mourãoense

Pancadas e zebra - "Uns anos depois, viramos caixa de pancada. Levamos goleadas homéricas do Colorado (EC Paraná), do Coritiba... coisas assim, tipo 5x0.. 8x0... umm vexaame!! 
Mas fizemos bonito também em várias disputas. Um vez Coritiba x Mourãense estavam na Loteria Esportiva e o time da capital amplo favorito. A Mourãoense era zebrona. Não deu outra, zebra de 1 x 1. Derrubamos todo mundo... nem teve ganhador nessa vez."... risos com ar meio de 'vingança'. 

Araraquara - Na reforma do RB, o prefeito Milton Luiz Pereira comprou muitos caminhões de grama de Araraquara-SP. "Ele, de manga de camisa, acompanhou pessoalmente todo o trabalho. Ele era muito exigente e correto no que fazia", relembra Álvaro.


Pacífico agita - O primeiro técnico contratado foi Osvaldo Silva, e o primeiro jogador profissional da Mourãoense, foi Almir Pacífico. "Na tarde da apresentação dele, durante treino no estádio, a cidade parou e foi ver o Pacífico atuar." 
Depois veio o Japonês (Fernando Aires). Ambos trabalhavam no Detran, eram guardas de trânsito urbano. "Estes dois craques formaram a melhor dupla de meio campo do Paraná, atuando no Água Verde. Depois no Pinheiros (EC Paraná). Tivemos, na Mourãoense, outro cracão de bola, o Charrão, becão de espera clássico, campeão pelo Atlético Paraense", relembra com entusiasmo.

Presidentes - A Mourãoense teve seu auge e bons momentos. Depois de cinco anos, entrou em declínio, faliu e acabou. "Teve ótimos presidentes nas melhores temporadas: Hamilton Laurindo (1966), Getúlio Ferrari (1967), Alcyr Costa Schen (1968), Delordes Daleffe (1969) e João Pedro (1970). Os quatro primeiros marcaram época no futebol mourãoense e no Paraná" elogia.


Bingo X Fuscas - "Quando fundamos a Mourãoense, o jogo de bingo cantado era liberado pela Receita Federal. O coletor federal era o Miguel Giani... Faziamos 12 sorteios por ano e em cada sorteio mensal saiam 12 fuscas numa tacada só" revela o que hoje é proibido. Um mês era em Campo Mourão (no RB) com renda da Mourãoense e outro era em Cianorte (Estádio Olímpico) com renda ao CAFE - Clube Atlético de Futebol e Esportes. "O Café de Cianorte era nosso maior rival no futebol"  comenta das brigas em campo.


Maior quebra-pau - Foi justamente contra o CAFE, na disputa pela última vaga da Primeirona do Paraná, de 1968, com a Mourãoense, que deu na maior briga no Municipal Roberto Brzezinski. "O jogo inusitado durou mais de duas horas." 

O árbitro era Luzbel Nunes. 
"O Café ganhava por 1 x 0 e se trancou. A Mourãoense precisava só do empate, mas não conseguia chegar ao gol. Não furava a retranca. O juiz, primeiro favoreceu o Café depois, pela pressão, estádio lotado queria que a Mourãoense empatasse a qualquer custo porque sentiu a barra pesada pro seu lado. Quase derrubaram o alambrado e no empurra abriram o portão. O Wille e o Anísio, narravam o jogo de cima do telhado da arquibancada, viam tudo, até quem abriu o portãozinho. 
A dupla de frente tinha os excelentes Jorginho e Tião Quelé... esse conseguiu penetrar na área, ninguém encostou e ele se jogou na grama e... o Luzbel apitou penalti.  Aí o time inteiro do Café não deixou cobrar e bateram muito no Luzbel - socos e ponta pés... apanhou dos jogadores do Café e depois levou uma sova de torcedores que invadiram o gramado, porque alguém abriu o cadeado do portão... coitado do Luzbel e do bandeirinha do lado de cá, o Pedro Kóss... a policia demorou intervir... foi um Deus nos acuda", relembra  assustado. 
Esse jogo foi anulado e o Municipal RB interditado pela FPF e a partida decisiva foi para campo neutro,  Estádio Willie Davids deMaringá.

Em Maringá - A decisão foi marcada com novo jogo em campo neutro, realizado em Maringá cercado de muita segurança dentro e fora do estádio. "A partida terminou em 0 x 0 e não deu outra... Mourãoense na cabeça," recorda satisfeito.

O time campeão, que conquistou a vaga da Primeirona, atuou com: Romeu, Rubens, Pacífico, Nilton Dias e Neri. Paulinho e Altevir. João Carlos, Tião Quelé, Postalli e Josué. "Nesta tarde memorável, o técnico Osvaldo da Silva armou um 4-2-4 ofensivo, a formação mais usada na epoca, pelo grandes clubes e tudo deu certo", registra.

Adoentado - Na virada de 1972 e início de 1973, Álvaro Gomes foi acometido de uma doença. Em busca de recursos e de sanar a enfermidade, foi morar em Curitiba. "Viemos embora de Campo Mourão, com a tristeza de termos deixado muitas amizades sólidas, e a cidade que tão bem acolheu nossa família" lamenta dona Lourdes ao lado de Álvaro. "De Campo Mourão guardamos muitas lembranças felizes." arremata o marido.


Solidariedade - Os companheiros de Lions e Rotary, num gesto solidário de fraternidade, arrecadaram recursos financeiros a fim de que nada faltasse à estimada família Gomes naquele momento difícil.

"Apesar do mal que me acometeu e nos obrigou a mudar de cidade, estão gravadas em nossas mentes as recordações inesquecíveis vividas intensamente na querida cidade de Campo Mourão." concluiu triste, pela distância, Álvaro Gomes.

 
Pedro da Veiga, Alvaro Gomes e Irineu Brzezinski.
Jantar em Santa Felicidade a convite da Tribuna

 
 Av. Índio Bandeira. Sobrado branco lá no fundo onde estava o consultório do Dr. Alvaro.
Essa foto tem muitos detalhes, cada um, uma história.
Pena que não cabem todos, aqui. Dec. 70 


Imagem relacionada 
(Uma semana após esse depoimento, antes de publicado, 
Alvaro Gomes faleceu, em Curitiba).

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