19/05/2011

Lendas e Mitos de Campo Mourão - S. Thomé - 01




Profecias de São Thomé, 
o Sumé dos Guarani.


 
Nhô Juca velho sábio de Campo Mourão


Fazia um dos dias mais frios do mês de junho, véspera de julho, há quase 100 anos atrás. 
Nhô Juca, figura muito conhecida na região, por ser um personagem enigmático, do qual só se sabia que era muito amável com todos que o conheciam, estava em seu rancho, um pouco pra lá do  do Rio do Campo, no encruzo pra Roncador, acendendo uma pequena fogueira para se aquecer dentro da sua tapera. Era inverno. Ia assar pinhão nas brasas, fruto da araucária (pinheiro do Paraná).

 Era costume os moradores da região fazer farinha e comer o pinhão e também saborear o chimarrão, erva nativa que São Thomé ensinou os índios usar pra curar os males do estomago e intestinos. Nhô Juca - com muitos anos vividos - tinha vários compadres, pois sendo uma pessoa muito antiga no lugar, ajudava todos que o procuravam, com seus remédios caseiros, seus sábios conselhos de ancião e seus belos 'causos', por todos apreciados.

 No rústico rancho onde vivia, todos finais de tarde, recebia amigos. Sentavam em banquinhos de pedaços de troncos, ouviam e contavam histórias, principalmente causos de assombração, boitatá, saci pererê, caipora e muitas outras. 
Além da iluminação trêmula da fogueira, no centro do rancho usava uma lamparina com querosene esfumaçante.
Naquele final de tarde, como um ritual, seus companheiros, após um dia de lida na roça vieram conversar com o compadre Juca e também ver se ele não precisava de nada, pois era sozinho na vida. Dele não se conheciam nem mulher, nem filhos. Só ele mesmo.
A conversa estava animada que nem perceberam a tempestade que se aproximava. O vento começou tão forte que atravessava de um lado para outro do rancho e era impossível manter a lamparina acessa.
Todos ficaram atemorizados, porém, nhô Juca, em sua calma, começou a lhes contar um história nova, no escuro mesmo.
Disse que na região onde estamos, havia pertencido aos índios e que estes construíram um baita caminho muito importante que 'atorava' São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Paraguai, Bolívia e Peru.
Este caminho era conhecido por Peaberu, o Caminho 'de ida e volta' no dizer dos Guarani. Era uma trilha muito antiga e comprida. Começa no Oceano Atlântico e termina no Oceano Pacífico. Atravessa a América do Sul de lado a lado por uns cinco mil quilômetros de comprimento e não tem nem dois metros de largura, mais parecia uma grande valeta no meio da floresta, de tanto ser pisado e afundado pelos milhares de nossos índios que andavam por ele. Imaginem !!
- E este caminho ainda existe, perguntou Pedro?
- Claro que não, seu burro - atalhou Armenio Casto - você acha que depois de tanto tempo as chuvas e o mato não destruíram ele?
- Calma compadre, retrucou nhô Juca, existe sim, mas deixem eu terminar de contar a história... 
- Pois bem. Os índios, tinham sabedoria, não eram bobos não. Eles plantaram, nesse bendito caminho, uma grama miúda que evitava que a chuva lavasse a terra e, ao mesmo tempo impedia que as ervas daninhas invadissem a valeta. Assim, o caminho ficava sempre limpinho nos trechos que recebiam luz do sol, mais parecia um corredor atapetado de verde, bem fofinho. Nos trechos sombreados, pelo meio da mata, não tinha tal graminha porque não pega sol.
- Ah  compadre, deixa de contar lorotas. Como quê os índios conseguiram plantar toda essa medida que o senhor falou, trechão de cinco mil quilômetros, isso é uma tremenda potoca, sô! criticou Armenio.
- Não fale assim - disse Pedro - deixe o compadre terminar. O burro aqui parece você!.
- Pois bem... como eu falei, os índios não eram burros não. Burro é quem acha que eles eram. Essa grama era plantada em alguns trechos e avançava o caminho.
Soltava umas sementinhas grudentas nos pés e pernas dos bichos que por ali passavam e, assim, eram espalhadas pelo caminho. Dessa forma, as sementes caim e os trechos estavam sempre formados. Nas pernas dos índios não grudavam porque eles não têm pelos.
- Ah! Que espertos hein, compadre ?! Disse Pedro, admirado.
E a conversa continuou. Falaram dos índios, seus costumes e até da sua saída da região, fugidos de medo dos brancos malvados.
Nhô Juca, então, resolveu contar-lhes sobre a lenda que envolve este caminho milenar.
 - Sabem compadres, dizem que por este caminho andava muita gente importante na nossa história. Ouvi, certa vez, um moço lá da capital, que cavoucava uns buracos na beira do rio Corumbataí. Procurava sei lá o que e dizia que por aqui passou um homem branco quando só existiam os índios, e que este homem fez muita coisa boa para os indígenas. Disse que ele veio das águas, e que seu nome era Thomé ou Pai Sumé como índios chamavam. Tinha até índio com nome de Tumé, Zumé, Xumé...
- Era um homem branco, alto,barba grande, cabelos curtos com uma tonsura no cocuruto da cabeça, igual as que os padres tem. A roupa branca, surrada, ia até os pés, amarrada por um fino cinturão de couro na cintura. Nas mãos trazia um livro igual o catecismo dos sacerdotes e uma cruz de madeira escura e pesada de jequitibá brasileiro.
Por todos lugares onde passava, ensinava o moralismo; condenava ter mais de uma mulher e comer carne humana. Ele ensinava o Evangelho pros índios, falava sobre o único Deus e seu filho Jesus Cristo, que nasceu e morreu por nós, pregado numa cruz e que no terceiro dia ressuscitou. Em suas mensagens ensinava amar a Deus, ao próximo e que só se chega ao paraíso quem aceitar Deus no coração, batizado com água. Também ensinou índios comer as coisas da natureza, cultivar cana-de-açúcar, milho, mandioca, abóboras e erva mate. Por pregar a palavra do bem e censurar a as coisas ruins, causou grande revolta nos chefes e pajés que, furiosos, mandavam perseguir São Thomé; incendiavam as cabanas onde se escondia pra tentar descansar; disparavam flechas no profeta. Ileso dos atentados sofridos sempre fugia pelas águas dos rios. Não deixava rastro. 
Muitos, dos mais antigos do que eu, dizem que esse homem branco era Thomé, apóstolo, irmão de Jesus, que duvidou da ressurreição e pediu para colocar seus dedos e sentir as feridas em seu peito e mãos.
- Por isso é que, até agora existe a frase: Ser como Thomé: ver pra crer! lembrou nhô Juca.
- Como duvidou, Jesus lhe deu a missão de pregar o evangelho nas terras mais longe do mundo, tipo um castigo.
Naquela época o mundo era apenas Oriente Médio, Europa, Norte da África e Ásia. Dizem que Thomé foi primeiro até a Pérsia, hoje chamada de Irã. Assim que concluiu suas pregações, entrou num barco de mercadores e rumou até as Índias. Alcançou a China, depois avançou pelo oceano e foi parar em ilhas que alguns afirmam serem Srilanka.
- Como chegou na América do Sul, não se sabe direito, apenas alguns jesuítas relatam sua passagem por estas terras. Seu percurso começava no Oceano Atlântico e terminava no Oceano Pacífico pelo Peaberu, Caminho que ele ensinou os nativos construir.
- Nossa compadre, esse cara viajou muito hein? Exclamou Pedro.
- Pois é, era a sua missão e nada o impedia, porém, certo dia, os inimigos conseguiram amarrar ele numa grande pedra. Furiosos surraram muito e largaram ele desmaiado. Então, três grandes águias desceram do céu, cortaram as amarras com os afiados bicos, e libertaram o santo.
Ele fugiu pelas águas do Oceano Pacífico, da mesma maneira que havia chegado pelo Oceano Atlântico. Deslizou pelas ondas sobre seu manto, e nunca mais ninguém soube do seu paradeiro.
Dizem que depois que ele sumiu, os aventureiros acreditavam que ele havia enterrado muito ouro e pedras preciosas pelo Sagrado Caminho. Os que se atreviam a 'cavoucar' a terra, nesse Caminho, eram exterminados pela própria ganância. O céu escurecia sobre eles, uma forte tempestade se formava de repente e caiam muitos raios que os torravam fulminados.
- Cruz credo, nem quero saber de chegar perto desse tal Caminho – disse o pessimista Armenio Casto.
- E esse Caminho ainda existe compadre? Perguntou Pedro.
- Olha, eu escutei uns moços, lá no boteco do seu João Grande, falando desse caminho. Diziam que ainda existem alguns lugares dele por aqui mesmo. Mas ainda tem mais. Péra eu terminá.
- O Apostolo Thomé ou Pai Sumé, igual índios falavam, dizia que é pra gente preservar o Peaberu, e se um dia ele for destruído pelos gigantes de ferro, haverá muita seca, as aves e animais vão acabar, as águas dos rios vão se envenenar e secar, pretas de sujeiras dos homens. 
Mas depois que o grande pássaro de ferro passar e os jovens reconstruírem o Caminho, voltara abundância de peixes nos rios, animais na floresta e a natureza voltara ser bela, cheia de frutas e toda linda com água fresca e limpinha.
- São Thomé deixou uma recomendação: nesse caminho só se deve passar a pé, fazer reflexão, falar com Deus e a Mãe Natureza.
- Mas, esse futuro novo, é preciso ver para crer !! 
- Quem viver, verá!!.. asseverou Nhô Juca.

 

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