07/04/2019

* Um Fraterno Ateu em Campo Mourão

Sentado no banco da praça, ele alimenta as pombas e olha para o nada. O sino da igreja toca, chamando os fieis para a missa, celebração de que ele não faz questão nenhuma de participar.
Mas todos os dias, ali naquele mesmo banco, na mesma praça vê o sol sumir no horizonte enquanto a cidade diminui seu ritmo.
Poderia até ser apenas mais um no banco da praça, um idoso querido pelas palavras amáveis e amenas. 
Mas não é, nem faz questão de ser.
Cético, crítico e sem papas na língua, o aposentado – e livre pensador - como se auto denomina, Fraterno Maria Nunes é uma figura emblemática de Campo Mourão. Digamos, mais que isso, uma das pessoas mais polêmicas da cidade.
Filho de seu Juquinha e dona Fifi fiel abnegada da igreja católica, casal bem-quisto e pioneiro da cidade. Fraterno e seus irmãos cresceram na antiga e tranquila  Rua Ceará (atual Harrison José Borges) de dois carreadores, sem movimento de tráfego, junto com a cidade que foi ficando cada vez maior e com muita gente nova, que lhe é estranha.
Com sua família, mais dois irmãos e duas irmãs, veio de Castro - PR, com quatro anos de idade e acompanhou a grande transformação de Campo Mourão, antes uma vila pacata, hoje uma bela cidade de porte médio, em constante evolução e trânsito agitado, com transformações criticadas por ele. Vê defeitos, aponta, não se conforma com certos 'avanços', mesmo sendo taxado de chato por bater sempre nas mesmas teclas. 
“Uns gostam de discutir futebol e mulher. Eu gosto de falar de política e religião”, diz. E o ponto porque tantos se desgostam dele é justamente sua posição radical contra Deus, papa, padres, pastores e religião. 
Opinião radical 
Fraterno conta que, acompanhado de seus pais, cresceu 'dentro' da igreja católica. Um verdadeiro papa-hóstia.
Aos sete anos, por vontade própria foi até a igreja confessar os pecados que acreditava ter. Tomou a hóstia e seguiu a vida aliviada por não ser mais um pecador. Tinha fé que foi perdoado.
“Saí de lá com a convicção de que ia pro céu. Veja só”, brinca. 
Casou na igreja, batizou suas filhas na igreja, até mesmo participou de um retiro religioso espiritual, com colegas de outras épocas.
Hoje acredita que aquilo tudo não era porque havia fé, mas sim, conveniência social ou imposição dos pais, desde criancinha. "Era tudo fachada!".
Em que momento, então, decidiu que não tinha crença?
“Não teve um momento de ruptura, aquele dia que cheguei e disse que não acreditava em nada disso. Isso foi acontecendo aos poucos, não é verdade?”, indaga. 

Um fator, no entanto, colaborou bastante para que se colocasse a pensar sobre o assunto da santa reviravolta.
Há mais de 20 anos, quando voltava de Curitiba com o sobrinho César Nunes (irmão de Tadeu e Marcio) e um colega do rapaz, entre Pitanga e  Iretama capotou o carro  e César - seu sobrinho-  morreu na hora.
“Eu tinha uma certa fé e até um crucifixo, que devo ter ganho de alguém,  no painel do carro. Toda vez que saía para a estrada, mesmo que fosse daqui até Peabiru pedia, não sei para quem, que nada de mal me acontecesse. Naquele dia, antes de sair, pedi a mesma coisa e aconteceu o pior", relembra triste.
Aquele acidente e o dia em que se separou da esposa, revela, foram os piores de sua vida. “Não é verdade ??”
“Quando era criança diziam que os evangélicos, os maçons e os comunistas comiam criancinhas. Hoje dizem que é o Fraterno. Veja só que idiotice”, reclama.
Desconfiado de que as coisas não eram como sempre ouviu falar, começou a estudar com mais afinco aspectos da religião, mesmo sem pretensão.
Daí a se tornar ateu, foi um passo. Ao começar a criticar as religiões e ser odiado, outro passo maior ainda seria dado.
“Quando me desquitei fiquei com medo de que minhas filhas não conhecessem o pai que tinham e comecei a escrever sobre tudo. Sempre mandei minha opinião para jornais e revistas”, relata.
Hoje já acumula 32 livros manuscritos, catalogados e encadernados. "Vão ficar para minhas filhas", antecipa.
“Escrevo para o mundo. Quero escrever para deixar meus pensamentos registrados”, revela.
Radical ao extremo com suas convicções, ele não mede as palavras. Afirma que trata bem quem é educado com ele, mas não faz nenhuma questão de viver de aparências. Se não o tratam bem, não vê motivo para que ele faça o mesmo. Já comprou briga com várias pessoas e é odiado por muitas outras que si quer o conhecem pessoalmente, mas que se ofendem com sua opinião. Essa hoje é sua grande luta: "me fazer ouvir".
Direitos de todos


 “As pessoas têm direito de falar que acreditam em Deus, assim como eu tenho o direito de dizer que não acredito”, salienta.  “Aceito que as pessoas acreditem em Deus. Acho que é ignorância, mas passa. Agora, acreditar que há representantes de Deus na terra, aí eu acho que a pessoa é curta de inteligência. Podem me xingar por pensar assim”, defende-se.
Ele tem consciência do quanto isso incomoda as pessoas e dos comentários que fazem a respeito dele e de sua postura, mas não se importa.
“Não quero que ninguém mude o que pensam sobre o que falo. Quero apenas falar”, embasado no clássico pensamento de Voltaire: posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la. O que defende é que se a mídia dá tanto espaço para as religiões, deveria conceder também para o outro lado. 

Aposentado, desquitado e solitário, Fraterno diz que se sente muito feliz. Aprendeu a dirigir moto depois dos 60 anos. Viajou sobre duas rodas, passou 13 capitais, até que se envolveu em novo acidente e deu uma pausa nas viagens.
Se aposentou muitos anos antes, depois que quase morreu ao sofrer um infarto. Nos últimos meses teve um AVC e ficou com limitações físicas, mas se dedicou ao tratamento com tenacidade e recuperou praticamente todos os movimentos.
“Gastei umas quatro canetas Bic inteiras para reaprender a escrever. Mal conseguia segurar a caneta e agora minha letra está igual à de antes”, conta orgulhoso. Gosta de passar os dias escrevendo e observando o mundo.
As únicas coisas que importam, segundo ele, são suas filhas e a neta, de quem faz questão de falar com um sorriso largo. “Precisa só ver a Mariah, coisa mais linda do mundo”, repete. O que não pensa, tão cedo, é ficar quieto, apesar de incomodar tanta gente com seus pensamentos. “Sou um homem livre, não tenho medo de nada, nem de macacos, não é verdade??”, concluiu sorrindo.
"Sou bom no que faço e penso"", 
concluiu Fraterno Nunes.
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