Era dia 10 de Outubro de 1979, manhã nublada, sem sol a vista, clima
agradável e, no centro da cidade, a grande massa popular ansiosa para assistir
o desfile cívico-militar com a
participação engalanada da maioria de estudantes dos educandários mourãoenses, polícia
militar, corpo de bombeiros e empresas. Rádio Colmeia a postos no palanquinho ao lado do palanque oficial.
Á frente veio a garbosa Banda Municipal, seguida dos pelotões estudantis com a marcha marcada pelo som surdo dos tambores, barulhento das caixas de guerra e compassado pelas fanfarras uniformizadas, super aplaudidas.
Á frente veio a garbosa Banda Municipal, seguida dos pelotões estudantis com a marcha marcada pelo som surdo dos tambores, barulhento das caixas de guerra e compassado pelas fanfarras uniformizadas, super aplaudidas.
A passagem terminou com apresentação de soldados da
PM e Corpo de Bombeiros. A parada festiva desceu na contra-mão da Avenida
Capitão Índio Bandeira, sentido Rua Interventor Manoel Ribas/Rua Araruna, área
final de deserção das formações que comemoraram, condignamente, os 32 anos de
emancipação municipal de Campo Mourão.
A Avenida estava literalmente tomada por milhares de
pessoas aparentadas ou não dos desfilantes, lado a lado e de ponta a ponta.
No palanque-oficial montado sobre a calçada da Praça São José esquina da Rua Brasil estavam as autoridades e a Rádio Colmeia transmitia ao vivo o maravilhoso evento da mais alta prova de cidadania e civismo na capital do centro-oeste do Paraná.
No palanque-oficial montado sobre a calçada da Praça São José esquina da Rua Brasil estavam as autoridades e a Rádio Colmeia transmitia ao vivo o maravilhoso evento da mais alta prova de cidadania e civismo na capital do centro-oeste do Paraná.
Entre as autoridades estavam o Bispo Diocesano, Dom
Eliseu Simões Mendes, prefeito Augustinho Vecchi, alguns vereadores, mulheres e
crianças de políticos, de professores (as) e de convidados.
Entre as convivas estavam duas das mais queridas e destacadas
pioneiras de Campo Mourão, batalhadoras, lutadoras incansáveis, matriarcas de
duas famílias de grandes proles, cristãs de fé inabalável, devotadas a receber
bem e ajudar as pessoas afamiliadas ou solitárias que se aventuravam pelo vasto
território dos antigos Campos do Mourão, entre os rios Ivaí e Piquiri, em busca
de um quinhão de terra e vida melhor para si e seus herdeiros. A todos, elas tratavam com o maior carinho. Refiro-me à dona Anita Gaspari Albuquerque e à dona
Zuleika Ferreira Teodoro de Oliveira.
Parteiras - O forte destas duas veneráveis senhoras era assistir, a cavalo, as mulheres grávidas por todo o imenso território sediado por Campo Mourão, das quais tornaram-se parteiras, comadres, e ‘madrinhas’ dos recém-nascidos, conforme a crendice da época do pioneirismo por todo interior brasileiro. Era ‘obrigatório o batismo em casa’, ou seja, ministrado logo que nascia a criança, para não morrer ‘pagã’ e passar a eternidade no ‘limbo’ (lugar nenhum). O batistério na igreja só se dava 30 dias após a sobrevida da criança.
Consta – na memória popular - depoimentos dos primeiros que aqui moraram, filhos e filhas destes que, juntas, elas realizaram cerca de dois (2) mil partos (mil cada uma). Inclusive Anita ensinou Zuleika e ambas ensinaram Justilina (Dona Santa), mas esta não exerceu e preferia auxiliar. Foram, justamente, Justilina e Anita, que fizeram o difícil parto de Zuleica quando deu à luz a João Teodoro de Oliveira Sobrinho e por milagre mãe e filho não faleceram. Sobreviveram graças as habilidades e orações de Anita e ajuda prestimosa de dona Santa.
Justilina dos Santos foi a primeira ‘primeira-dama’ de Campo Mourão, mulher do dentista José Antonio dos Santos, nomeado prefeito antes da primeira eleição, em outubro de 1947. O casal, quando aportou em Campo Mourão se hospedou na casa de Dona Zuleika esposa do ex-prefeito Antoninho (Antonio Teodoro de Oliveira).
Fatos - Neste 10 de Outubro em foco, na companhia do meu colega de trabalho e afilhado de casamento, Manoel Rodrigues Correia, excelente técnico e locutor em transmissões da Rádio Colmeia, estávamos com o desfile no ar e palavras de autoridades em transmissão direta do palanque.
Quando Dom Eliseu tomou a palavra foi muito aplaudido. Era carismático mas participava pouco ou quase nada de eventos públicos. No seu bispado - primeiro de Campo Mourão - realizou várias obras
beneficentes através da Diocese de São José.
Porém, no meio do seu breve discurso, depois de elogiar Anita e Zuleika elevando-as aos píncaros da 'bondade e à supremacia do amor fraternal' que dedicavam às pessoas, para surpresa de todos asseverou que: “Zuleika e Anita estavam ‘proibidas’ de realizarem partos” a partir daquela data.
Justificou seu ato de autoridade eclesiástica ao comentar que: “madrinha significa mãe-menor – uma segunda mãe – que é obrigada a cuidar dos afilhados e afilhadas na falta da primeira. Imaginem, caríssimos, se as mais de mil comadres de cada uma destas abençoadas senhoras do bem vierem a falecer. O que será dos seus filhos, ou, destas duas parteiras. Conseguirão amparar esse número enorme de crianças e jovens?”. Abençoou a multidão e se despediu parabenizando Campo Mourão.
Porém, no meio do seu breve discurso, depois de elogiar Anita e Zuleika elevando-as aos píncaros da 'bondade e à supremacia do amor fraternal' que dedicavam às pessoas, para surpresa de todos asseverou que: “Zuleika e Anita estavam ‘proibidas’ de realizarem partos” a partir daquela data.
Justificou seu ato de autoridade eclesiástica ao comentar que: “madrinha significa mãe-menor – uma segunda mãe – que é obrigada a cuidar dos afilhados e afilhadas na falta da primeira. Imaginem, caríssimos, se as mais de mil comadres de cada uma destas abençoadas senhoras do bem vierem a falecer. O que será dos seus filhos, ou, destas duas parteiras. Conseguirão amparar esse número enorme de crianças e jovens?”. Abençoou a multidão e se despediu parabenizando Campo Mourão.
Boquiabertas,
poucas pessoas, pouquíssimas mesmo, bateram tímidas palmas ao final de suas
inesperadas palavras. O bispo foi o primeiro a descer do palanque e seguiu
direto para sua casa paroquial, em seu automóvel.
As últimas a
deixarem o local foram justamente Anita e Zuleika; a primeira sem perder seu
sorriso habitual e a segunda com certo ar de tristeza, mas serena. Foram
cercadas pela maioria das pessoas, todas conhecidas, que lhes abraçavam e
queriam entender o ‘porque dessa
decisão do bispo’. Nunca vi duas
mulheres serem tão abraçadas com tanto afeto como naquele 10 de outubro de
1979. Foi a prova da solidariedade mourãoense.
Entrevista - No dia seguinte, por volta das 8hs, eu mais Rodrigues Correia fomos a residência dos Albuquerque na Rua Francisco Albuquerque esquina com a Avenida Índio Bandeira fazer entrevista para o Jornal do Meio-Dia da Rádio Colmeia. Eu sempre a chamei de Tia Anita e lhe pedia benção beijando sua sagrada mão e lhe dava um beijo no rosto.
“Ué,
o que vieram fazer essa hora aqui. E quem é esse moço bonito?”
Respondi: “É
o Manoel Rodrigues Correia que tem programa de música na
Rádio Colmeia e... viemos tomar aquele seu café gostoso e saber por
quê o bispo disse aquilo à senhora e à da dona Zuleika.”
O
filho Joel Albuquerque estava junto com ela e prestativo, disse
sorrindo: “primo, espera aí que já
trago o café!! Foi vapt-vup... trouxe as xícaras
e o bule.
Tomamos
café, falamos rapidamente de vários assuntos e perguntei à Tia Anita: “Então
o que a senhora tem a dizer ?? e liguei o gravador.
Ela
respondeu: “Sobre o que ele
disse de sermos parteiras e comadres de mais de mil mães? Sabemos bem nossa
missão perante Deus! Eu entendi o que ele disse, mas nunca na minha vida vou
negar minha ajuda a quem precisar, muito menos a uma grávida, a uma mãe e à
criança dela”... deu uma
pausa, olhou bem de frente para nós dois e perguntou sorrindo; “o café do Joel estava bom?... milhares de
pessoas tomaram meu café e não morreram, sabia? (rindo)... Fiz mesmo, acredito, uns mil
partos e nenhuma mãe ou criança morreu em minhas mãos, graças a Deus !!”
- “Dona Anita, o povo quer saber: a senhora
vai continuar a fazer partos?", indagou o astuto Rodrigues Correia.
“Vou sim seu moço! Se me chamar, vou na hora. Deus
sabe o que faz. Nós somos humanos e instrumentos totalmente dependentes Dele. Só vou parar meu
apostolado quando Ele me chamar!”
Conversamos mais
um pouco, agradecemos a acolhida, as atenções, o café caseiro, pedia sua benção e fomos até a casa verde
do bispo na Rua Santa Catarina esquina com a Avenida Irmãos Pereira. Uma
serviçal de pano branco na cabeça e avental nos atendeu, me reconheceu e
disse: “Ele não está”. Mas o automóvel estava. Voltamos à
rádio. Liguei para ele. Atendeu, mas se negou a dar entrevista. Alegou que já
tinha marcado ‘com o senhor
Anísio Morais’ e desligou.
De fato no dia seguinte, às 8hs ele estava na rádio e falou ao vivo, porém sem
tocar no assunto das parteiras. O Anísio também não perguntou. O bispo saiu
rapidamente, alegou compromissos urgentes e, uma vez mais, driblou o
pessoal do Jornal do Meio-Dia.
Eliseu nasceu
na Bahia, dia 18 de maio de 1915, em Salvador, onde foi ordenado dia 4 de
dezembro de 1938. Exerceu cargos eclesiásticos de Grande
Chanceler da Cúria Arquidiocesana e Secretário Geral do 1º Congresso
Nacional de Vocações Sacerdotais, em 1949. Em 20 de fevereiro de 1954 tomou posse como
3º Bispo da Diocese de Mossoró - RN. Em 21 de agosto de
1950 foi eleito bispo auxiliar de Fortaleza – CE e assumiu dia 03 de
dezembro do mesmo ano.
Resolveu
colocar-se a frente de todas as campanhas de âmbito social que foram surgindo
na capital cearense. Promoveu obras sociais de emergência, fundou centros
sociais e pequenas maternidades, estando sempre ao lado do seu povo. E assim
forjou seu estilo.
Em 20 de fevereiro
de 1954 foi nomeado pelo Santo Padre Pio XII, Bispo residencial de Mossoró. E a
cidade recebeu em festa o seu terceiro Bispo Diocesano. Dom Eliseu viajou de
automóvel de Natal para Mossoró, onde chegou às 16 horas.
No Alto de São
Manuel, autoridades eclesiásticas, civis e militares do município o aguardavam.
Formou-se então uma grande carreata que o acompanhou até o centro da
cidade. Na Catedral de Santa Luzia foi recebido pelo Monsenhor Luiz Mota,
Vigário Capitular da Diocese.
Cumpriu-se, em
seguida, o que prescreve o cerimonial católico para tal ocasião. Dom Eliseu
entregou aos Paraninfos, as Bulas de sua nomeação que foram entregues
depois, ao Vigário Capitular e Consultores Diocesanos, para verificação de sua
autenticidade. E só então foi feita a leitura da Bula, em latim e português,
lavrando-se posteriormente a ata de posse.
Em sua “Carta Pastoral” de saudação aos diocesanos,
distribuída por ocasião de sua investidura, delineava o seu programa de
Governo: Clero e vocações, Família, Ação Católica, Questão Social e Ação Social
Rural.
Naquela época,
havia um movimento ruralista que visava a retomada do desenvolvimento do Vale
do Açu. Dom Eliseu Simões Mendes abraçou a causa, já que o seu Bispado
tinha jurisdição sobre a Paróquia de Açu.
Foi então que os
problemas da região começaram a serem discutidos e analisados em seminários e
cursos. Foi dele a ideia de irrigação do vale, que o tornaria mais produtivo,
mas para isso precisavam de financiamento, pois a população do vale era pobre.
A solução foi
procurar o Governo Federal. E D. Eliseu foi pessoalmente procurar o Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira em Brasilia, e dele conseguiu arrancar
compromisso, apoio e presença governamental no desenvolvimento dos seus
projetos no Vale do Açu.
Justo após esse contato, os motores e bombas começaram a chegar para serem vendidos a longo prazo, beneficiando a todos, principalmente os pequenos agricultores. Começaram a chegar também os agrônomos e os técnicos agrícolas para a orientação das plantações, bem como os veterinários para controlar a pecuária através da defesa animal. Os cacimbões e os canais de alvenaria foram construídos e assim os moradores deram início a mecanização do solo e, em seguida, as sementes e mudas foram plantadas e produziram a contento.
Justo após esse contato, os motores e bombas começaram a chegar para serem vendidos a longo prazo, beneficiando a todos, principalmente os pequenos agricultores. Começaram a chegar também os agrônomos e os técnicos agrícolas para a orientação das plantações, bem como os veterinários para controlar a pecuária através da defesa animal. Os cacimbões e os canais de alvenaria foram construídos e assim os moradores deram início a mecanização do solo e, em seguida, as sementes e mudas foram plantadas e produziram a contento.
As cooperativas e sindicatos rurais, postos telefônicos, postos de saúde, escolas e etc, começaram a aparecer. Era o sonho de muitos que se realizava graças a Dom Eliseu, que foi mais além: fundou a Maternidade Mário Pinotti, que depois veio a ser Hospital denominado Dr. João Carlos Wanderley. Foi também pelas mãos dele que se instalou em Pendências, um posto de puericultura dedicado ao tratamento de crianças carentes e subnutridas.
Podemos dizer, por
fim, que Dom Eliseu foi, por excelência, o Bispo da Assistência Social,
notadamente ruralista. Conseguiu dos altos mandatários da Nação as
providências mais benéficas em proveito do povo da terra nordestina.
Em 21 de agosto de 1950 foi eleito bispo auxiliar de Fortaleza – CE. Recebeu a sagração episcopal dia 3 de dezembro do mesmo ano.
Em
Campo Mourão - Dia 28 de outubro de 1959 foi transferido pela Santa
Sé para a Diocese de Campo Mourão – PR onde atuou na condição de primeiro bispo diocesano e aqui permaneceu por vinte anos (1960 a 1980).
Debilitado e doente renunciou e retornou à Feira de Santana –BA, onde passou a morar com uma irmã.
D. Eliseu no túmulo de Feira de Santana - BA
Faleceu, vitima de
câncer, dia 02 de março de 2001, aos 86 anos, em Feira de Santana –
BA, onde foi sepultado e mais tarde transladado para a Catedral de
São José de Campo Mourão, onde seus restos mortais jazem para sempre junto ao altar-mor, ao
lado do segundo bispo da mesma Diocese – também falecido - Dom Virgílio de
Pauli.
D. Eliseu morada eterna na Catedral de Campo Mourão
/º\
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