06/05/2019

* Canto Para a Minha Morte - Raul Seixas

 
Canto para minha Morte

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez.
A morte, surda, caminha ao meu lado,
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada.
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim
Pois em qualquer lugar esperas só por mim.
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar.
Vem, mas demore a chegar
Eu te detesto e amo morte, morte, morte!
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida.

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida
Existem tantas... Um acidente de carro?
O coração que se recusa a bater no próximo minuto?
A anestesia mal aplicada?
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida?
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe
Um escorregão idiota, num dia de Sol, a cabeça no meio-fio?!

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar.
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite.

Vou te encontrar vestida de cetim
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar.
Vem, mas demore a chegar.

Eu te detesto e amo morte, morte, mort!

Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida.


Raul Seixas morreu dia 21 de agosto de 1989. 
Foi encontrado inerte na  manhã do dia 22, pela empregada Dalva Borges. 
Ela entrou no quarto como de costume para abrir a janela, observou-o, viu que o lençol o cobria até a altura do peito. Então, saiu dali para iniciar as tarefas do dia. Mas Raul não acordava e isso era incomum, geralmente, bastava um só ruído e ele se punha de pé. Agora, não. Nenhum movimento.
Preocupada, Dalva decidiu vê-lo de novo, Encontrou-o do mesmo jeito, e sem reação. Julgou que havia morrido. Passou a mão no telefone e ligou para o numero do parceiro de Raul,  José Roberto Romeira Abrahão. 
Ele pediu que Dalva colocasse um espelho próximo às narinas de Raul, para ver se ainda respirava. Ela foi e voltou dizendo que não saía 'vapor' do nariz e ele não dava sinal de vida. 
Junto do médico Luciano Stancka e de Marcelo Nova, Abrahão se dirigiu ao flat de Raul e lá chegando o doutor verificou que  estava morto já havia algumas horas e deu o atestado de óbito. Raul Seixas morreu de pancreatite aguda, causada pelo excesso de álcool no sangue. 

"Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?" indagou ele nesta música,

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