05/09/2017

Bang-bang em Campo Mourão por Amélinha

 
Amélia de Almeida Hruschka - Dona Amélinha

"Sabe!..  entre 1950/60 Campo Mourão era um farvestão melhor que filme americano. Era tudo ao vivo, real e a cores. Se matavam muito, todo dia pelo sertão e até na cidade. Uma das vítimas desse bang-bang mourãoense foi o pai de uma amiga minha. Mataram ele dentro de uma churrascaria (não revelou o nome por respeito à família). Pedi ao meu pai se deixava eu ir no velório com ela?! Ele não deixou, de jeito nenhum. É que acreditava-se que nesses velórios de gente 'matada' dava muitos bandidos que marcavam as pessoas testemunhas, e depois as matavam por medo de serem reconhecidos e condenados" - (queima de arquivo).
Sádico
“Tinha um tal de Pedro Cândido (Candinho), que matou até a própria mulher a facão. Esse pistoleiro era piolho de velório. Ele atocaiava (se escondia) no caminho que a vítima passava e matava no tiro, a traição (pelas costas). Á noite ele ia ao velório de suas vítimas,  só pra escutar os comentários e ouvir se alguém falava da ‘coragem’ e da ‘fama’ dele. Era sádico”.

Sangue e pó
–“Uma bela manhã ensolarada, dez horas mais ou menos, eu soube que mataram um tal de Otávio, na rua Araruna, na frente do famoso Hotel Brasil, da querida amiga Dalva. Não sei porque cargas d'água me chamaram a fim de cuidar do corpo ali estendido no pó... Sol quente demais... ardia na pele da gente... Campo Mourão não tinha funerária. Na esquina de baixo tinha o hospital do Dr. Odilon (Rua Araruna esq José Custódio de Oliveira) onde é a casa dos Macowski hoje.
Me ajudaram, pegamos o homem todo melecado de sangue misturado com poeira e o tiramos do meio da rua... Eu estava despindo... aquela roupa imunda dele, mas parei na cueca (faz olhar de encabulada). Pedi que algum homem a tirasse... pra mulher não pegava bem fazer isso, sabe? 
A casa lotou de curiosos e parentes... sei lá quem eram!! Mas ninguém quis tirar. Aí chamei um policial presente, enalteci a autoridade dele, e ele tirou com cara de nojo. Ele me ajudou a segurar o morto e dei banho de corpo inteiro, numa bacia grande de zinco. A água ficou mais cor de sangue e mingau de pó, do que água mesmo. Dei dois banhos de sabão de cinza no morto, pra ficar, quaaase, bem limpo. Pedi e me arranjaram uma camisa e uma calça qualquer... vesti nele (sem cueca), descalço e o pusemos em cima de uma mesa de madeira, esticadão. 
Tinha vários balaços pelo corpo e um tiro no meio da testa que não parava de verter sangue. Entupi o buraco com algodão, mas não estancava. Peguei uns palitos de fósforo quebrei e calquei bem o algodão, tipo uma rolha... daí parou... fazer o quê? -Não tinha outro jeito!
Cobri o defunto com um lençol, acendi 4 velas, arrumei o velório mal e mal. Saí e  e fui para minha casa preparar almoço. Nem comentei nada com meu marido (Alfonso Germano Hruschka). Estávamos comendo... eu usava uma aliança larga, de ouro, cravejada de diamantes... presente de casamento. -Naquele tempo podia, né? -Não tinha assaltantes como hoje!.. rindo.
Fui dar uma ajeitada na aliança, que estava meio virada, uma pedrinha cutucando o mindinho, olhei e vi...(écaa)... estava cheia de sangue encalacrado, assim, por baixo das pedrinhas de diamante, sabe?.. disfarcei... levei a mão pra baixo da mesa, esfreguei bem a aliança e limpei no vestido, em cima da coxa... olhei de novo, estava limpinha, brilhando e continuei almoçando! O  Alfonso e as crianças nem notaram.


No pé do ouvido
 –“Um outro dia fui procurar a Lucila Traple (esposa do Dr. Germano), que era sócia da boutique A Triunfal, com Beno Nadolne, na Irmãos Pereira. Era ao lado do antigo Armarinhos Continental. Em frente da loja vi uma vaga. Estava manobrando meu fusca vermelho... tinha um carro preto na frente e um jeep cinza, atrás. O Celso e a Greice (filhos) eram pequenos e estavam sentadinhos no banco traseiro... aí ouvi uns tiros bem pertinho de mim, quase no meu ouvido esquerdo... olhei e vi um tal de Manézinho do Pinhalzinho (Janiópolis) com o revólver na mão, fumegando. -Atirou e matou o rapaz que estava sentado no jeep... morreu na hora, de cara sobre o volante, naquela sanguera. O Manézinho deu no pé, escafedeu-se.
Rapidinho juntou gente por ali. Teve alguém que me disse: -Some daqui dona, senão vai sobrar pra senhora! 
-Me mandei, preocupada com a segurança dos meus filhos, e até esqueci o que eu tinha pra falar com a Lucila", sorri.


 
"Mas, entre 1950 e 1960 isso parecia normal em Campo Mourão. Teve um mês de dezembro, entre o Natal e Ano Novo, que ocorreram mais de 30 mortes - seguidinhas - por facas e tiros, só na cidade. No mato não sei" - relembra.

Pegadinha 
-"Em 1950/51, quando a gente vinha com papai e amigas minhas de Londrina, em direção à nossa fazenda em Goioerê, eu falava alto pras meninas: agora todo mundo se abaixa... estamos passando por Campo Mourão!! - Elas se encolhiam, assustadas, e perguntavam: porr quêê isso Améélinha?? 
E, eu dizia, rindo delas: é por causa dos tiros. Aqui sai bala pra todo lado, toda hora!!... e caia na gargalhada".


Rouba moça 
- "Por falar em Goioerê, daquele tempo, era um lugar perigoso pras moças. Não havia mulher e os homens, a maioria jagunços e pistoleiros solitários, invadiam as casas, os ranchos... e sequestravam - a cavalo - todas mulheres, moças e meninas que encontravam. Levavam pra servir as necessidades caseiras deles. 
Mas se alguém se opunha, mesmo pai ou mãe delas, eles matavam sem dó". "Não existia policia no lugar e o inspetor de quarteirão (autoridade leiga e civil tipo xerife), não se atrevia encarar os bandoleiros". "Por esta razão papai nos trouxe morar em Campo Mourão e não lá." explicou Amelinha.


 

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