16/12/2019

Transportador de casas inteiras em Campo Mourão

Desde que me conheço por gente vi, muitas vezes, caminhão carregando casa inteira, igual caracol com morada no lombo, de um local para outro.
Quem fazia este trabalho era um senhor conhecido de nome Praxedes e seus dois filhos, Antonio e Manoel, residentes no fundão da Vila Cândida. 
Os conheci em 1962, quando trabalhei na Madeireira Slompinho, na rua das Indústrias, no Lar Paraná e eles compravam vigas/estacas de madeira de lei  ali, e na serraria vizinha do seu Maione.
Algumas vezes, curioso, acompanhei a operação, observando atentamente cada detalhe e a habilidade dos rapazes adquirida durante a longa prática.
A casa era estaqueada e suspensa lentamente com ajuda de macaco - apelidado de ‘chicão’- comumente utilizado por motoristas de carga pesada, no caso de pneu furado. 
Na medida que a casa subia os 'meninos' colocavam calços até ficar na altura do assoalho da carroceria do caminhão, sem as laterais.
Seu Praxedes dava marcha-a-ré e entrava com a carroceria por baixo da casa suspensa, bem no ponto de equilíbrio para ela não pender para nenhum lado. E para não tombar para trás, a cumieira da frente  era amarrada no para-choque dianteiro.
Em seguida, o mais lentamente possível, o macaco era movido para baixo até a casa assentar completamente no assoalho da longa traseira do caminhão.
Após serem removidos os calços, o caminhão carregado começava a se deslocar em primeira marcha o tempo todo, na velocidade média de 3 a 5 km por hora. Parecia tartaruga.
A operação era custosa e delicada e, não raras vezes, demorava coisa de dois dias, conforme a distância.

Chegando ao novo local, a casa era novamente estaqueada para cima, até descolar da carroceria e, em seguida, era baixada até rente o solo, sobre os cepos de arvores ou pilares de tijolos previamente colocados na medida exata da metragem quadrada da casa.

Esse sistema foi muito usado nas décadas de 60 e 70 quando as edificações de concreto e alvenaria começaram a dominar a construção civil em Campo Mourão e substituíram o madeiramento. 


Mas com o passar de 20 anos, seu Praxedes não mais teve encomendas para transporte de casas inteiras e passou a trabalhar de carpinteiro em reformas de residências, construções de pequeno porte e arrumação de telhados. 
A última vez que conversamos foi quando nos encontramos no Instituto Santa Cruz depois de um Concurso de Fanfarras. Ele estava acompanhando um neto ali matriculado e eu narrando.

Entre um assunto e outro vem aquela inevitável pergunta: 
-E a família como vai?
-Você sabe que enviuvei, né? Meus dois filhos continuam me ajudando nos servicinhos que aparecem.

E o senhor como está?
Estou bem. Completei 103 anos agorinha, em setembro, e não tenho do que reclamar. Aposentei pelo governo, mas não parei de trabalhar. Você sabe que meus avós, lá atrás, eram escravos, né?

E a piazada?
Meus piá?, um é que nem eu. Pega e não reclama do pesado, mas o caçula é um preguiçoso daqueles... o vagabundo só quer saber de curriola e cachaça.

Com que idade ele está?
Eu casei novo... O meu caçula? - Está com 66 anos, mas parece um bicho preguiça. O mais velho ta com 69 pra 70 e é dispostão igual eu.

Pôoxaaa !! 
Emudeci !! 
Lhe dei um abraço forte, lhe desejei tudo de bom e fui embora pensando: piazada de 60... 70 anos... ele com 100 e caquerada ?? Carammbaa, carambola!!
Só aí dá mais de 200 anos de vida e saúde, somadas as idades!

Existe essa benção, de afro-descendentes fortes e rijos, porém a casta robusta, de origem africana, está em extinção, assim como as demais. 

- É que os tempos mudaram e os hábitos, da bela e vigorosa raça pura, também !!



 


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