22/02/2019

* Campo Mourão e São Thomé - Mito

Lenda de São Thomé

     Era um dos dias mais frios do mês de julho. O nhô Juca, pessoa muito conhecida na região de Campo Mourão - Paraná, por ser uma figura enigmática, do qual só se sabia que era muito amável com todos que o conheciam, estava em seu rancho, a beira do Rio do Campo, onde acendeu  uma pequena fogueira para se aquecer e assar pinhão, fruto da araucária, conhecida como o pinheiro. Era costume os moradores comer o pinhão e também saborear o chimarrão, erva nativa da região, que São Thomé ensinou aos índios, como tomar e os benefícios que ela dá à saúde humana.


Nhô Juca tinha muitos compadres, pois sendo uma pessoa bem  antiga no lugar, ajudava a todos que o procuravam, com seus remédios caseiros, seus sábios conselhos e seus intrigantes “causos”, por todos apreciados.

No rústico rancho onde vivia, todos os finais de tarde, recebia seus amigos. Sentavam nos banquinhos e pedaços de troncos, ouviam, comentavam e contavam histórias, principalmente causos de assombração, boitatá, saci pereré, caipora, mula-sem-cabeça e muitas outras. 
Além da iluminação da fogueira, no centro do rancho usava uma lamparina com um pedaço de pavio de pano torcido enfiada na banha de capivara. 


Naquele final de tarde, tal qual um ritual, seus compadres, após mais um dia de lida na roça vieram conversar com seu Juca e também ver se ele não estava  precisando de nada, pois era sozinho na vida. Dele não se conhecia mulher nem filhos.

A conversa estava animada, que nem perceberam a tempestade que se aproximava. O vento era tão forte que atravessava de um lado para outro do rancho e era impossível manter a lamparina acessa. Parecia que tudo ia voar. A turminha ficou com medo danado, porém, nhô  Juca com sua calma começou a lhes contar um história nova, que logo prendeu a atenção da companheirada. 

Disse que aquela região onde estavam, já havia pertencido aos índios e que estes abriram imenso caminho muito importante, que pegava os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e os países do Paraguai, Bolívia e Peru. Era conhecido por Peabeyu (caminho antigo de ida e volta) que, acreditava o povo guarani, conduzia à Terra Sem Mal (paraíso).  Era uma trilha estreita, muito antiga e comprida, bem socada de tanto os andantes pisarem.
Seu curso começava no Oceano Atlântico e terminava no Oceano Pacífico pela América do Sul. Tinha mais de 3 mil quilômetros de comprimento e quase 2 mt de largura (8 palmos). Mais parecia uma valeta no meio da floresta de tanto ser pisado a milhares de anos.

-    E este caminho ainda existe, perguntou Pedro?
-   Claro que não, seu tongo - respondeu Armenegildo - você acha que depois de tanto tempo os homens, as chuvas e o mato não destruíram ele?
- Calma meus filhos, retrucou nhô Juca, deixem eu terminar de contar a história.

- Pois bom. Os índios, nossos antepassados, tinham a sua sabedoria, não eram bobos não. Eles plantavam nesse caminho uma grama miúda que evitava que a chuva lavasse a terra e, ao mesmo tempo impedia que as ervas daninhas invadissem a vereda. Assim, o caminho ficava sempre limpinho, mais parecia um corredor atapetado de verde, bem fofinho.
-    Ah compadre, deixa de contar lorotas, de que jeito que os índios conseguiram plantar toda essa medida que o senhor falou aí, 3 mil quilômetros. Isso é uma tremenda invencionice, provocou Armenegildo.
-   Não fale assim, disse Pedro, deixe o compadre  terminar.

- Pois então... Como falei, os índios não eram burros não, essa grama era plantada em alguns trechos e daí se reproduzia e avançava o caminho. E também soltava umas sementinhas melantes que grudavam nos pés e pernas dos animais e de quem por ali passava e, assim, era semeada pelo caminho. Dessa forma, as sementes caiam e novos trechos iam sendo gramados.
-    Ah! que espertos, hein compadre? Disse Pedro admirado. E a conversa continuou... falaram dos índios, seus usos e costumes e até da sua saída da região expulsos e caçados pelos invasores brancos.

Nhô Juca, então resolveu contar-lhes sobre a lenda que envolve este caminho antiquíssimo por cima do qual surgiu a maioria das estradas.
-   Sabem compadres, dizem que por este caminho andava muita gente importante na nossa história. Ouvi, certa vez, um moço lá da capital, que abriu uns buracos na beira do rio Corumbatai procurando sei lá o que, e disse que por aqui passou um homem branco, onde só existiam índios bravos, e que este homem fez muita coisa boa para os indígenas. Dizem que ele veio das águas, em riba do seu manto, por sobre o Atlântico, e que seu nome era Thomé ou Pai Xumé dos Guarani.
-     É meio compridinha, mas vou contar:
  
-  Era um homem branco, alto, com longas barbas, olhos azuis, usava cabelos médios-curtos com uma rodinha tosada no cocuruto da cabeça, igual que os padres tem. Ele vestia uma roupa branca ia até os pés, amarrada por um fino cinturão de couro na cintura. Nas mãos trazia um livro semelhante ao breviário dos sacerdotes e uma pesada cruz de madeira preta de Jatobá brasileiro. Pelos lugares onde passava, ensinava o moralismo, condenava casar com mais de uma mulher e proibia comer carne humana. Ele evangelizava os índios e ensinou que existe só um Deus e seu Filho Jesus Cristo que nasceu e morreu pregado em uma cruz  pra pagar nossos pecados. Em suas mensagens, ensinou o amor de Deus ao próximo e que só chega ao paraíso quem aceita Jesus pelo batismo. Também ensinou os cultivos da cana-de-açúcar, milho, mandioca, erva-mate, abóboras e uso das plantas que curam. 
  Por pregar a palavra do bem e censurar  a imoralidade, causou grande revolta nos chefes e pajés, que furiosos mandaram perseguir o Santo. Incendiaram as cabanas onde descansava, atiraram flechas e pedras em Thomé, mas ele se salvava dos atentados, pelas águas dos rios ou do  mar, por onde sempre desaparecia sem deixar rastros. 



   Muitos dos antigos dizem que o homem branco era Thomé, apóstolo de Jesus Cristo, aquele  que duvidou da ressurreição, pois pediu  para colocar seus dedos nas chaga do peito  para sentir o sinal do corte da lança que um soldado romano cravou Nele. Por isso é que, até agora existe a frase: “sou igual São Thomé: quero ver, pra crer!”. 
    Então, por ter duvidado, Jesus deu pra ele, a dura missão de pregar o evangelho nas terras mais longínquas do mundo. Naquela época, o mundo era povoado apenas no Oriente Médio, na Europa, no Norte da África e na Ásia. Dizem que São Thomé foi pregar na Pérsia, e assim que concluiu suas pregações por lá, entrou num barco de mercadores e viajou rumo as Índias e depois à China. Sua vinda e ida começou no Oceano Atlântico e terminou no Oceano Pacífico, pois o Peabeyu atravessa a América do Sul de leste a oeste.
-  Nossa compadre, esse santo viajou muito, hein? Exclamou Pedro.

-     Pois é, era a sua missão e nada o impedia, porém, certo dia os inimigos conseguiram pegar e amarrar ele numa pedra grande. Furiosos, deram-lhe uma  surra e largaram ele desmaiado de tanta pancada que tomou. Foi, então, que 3  águias bem grandes, desceram do céu, cortaram as amarras de cipós com seus bicos e livraram ele daquelas coisas. Daí, fugiu por sobre as águas do Oceano Pacífico da mesma forma que chegou pelo Oceano Atlântico e nunca mais ninguém soube do seu paradeiro. 
Dizem que depois que ele sumiu os aventureiros acreditavam que ele havia enterrado muito ouro e pedras preciosas pelo caminho que passou e ensinou a fazer. Os que se atreviam a cavocar a terra naquele caminho, eram exterminados pela própria ganância, pois, o céu escurecia, uma forte tempestade se formava de repente, com muitos raios que torrava quem fazia buracos por ali.
-  Cruz credo, nem quero saber de chegar perto desse tal caminho – disse Armenegildo.

-     Esse caminho ainda existe compadre? Perguntou Pedro.
-     Olha, eu escutei uns moços, lá no boteco do seu João Grande, com uma falação desse Caminho. Diziam que ainda existe alguns lugares dele. Mas ainda tem mais, peraí:
O Apóstolo Thomé ou Pai Xumé, como os índios diziam, pediu que era para preservarem o Sagrado Peabeyu e quando ele fosse destruído pelos gigantes brancos haveria muita seca, as aves e animais iriam acabar; os peixes e as águas dos rios se tornariam ruim pra beber e sem peixe para comer. Mas depois que o grande pássaro avarento passasse e os jovens reconstruíssem o Caminho da Terra Sem Mal voltaria a abundância de peixes nos rios, dos animais na floresta e a natureza voltaria a ser bela e exuberante. Ainda deixou uma recomendação: nesse novo caminho só se deve passar a pé, pra refletir e se encontrar  com Deus e a Mãe Natureza. É preciso ver para crer!  finalizou Thomé. 

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